quarta-feira, setembro 01, 2004

NA ONDA DA POLÊMICA

NA ONDA DA POLÊMICA
Conselho de Comunicação pede "resgate" da Lei de Imprensa
Conselho de Comunicação Social (CCS) aprovou, por unanimidade, moção pedindo a votação da nova Lei de Imprensa. O substitutivo está pronto para ser apreciado pelo Plenário da Câmara Federal desde 1997. Lei em vigor é de 1967.
Maurício Hashizume 30/08/2004

Brasília – A polêmica sobre o projeto de lei que cria o Conselho Federal de Jornalismo (CFJ) pesou sobre o Conselho de Comunicação Social (CCS). Por unanimidade, os conselheiros aprovaram, na reunião desta segunda-feira (30), moção endereçada ao presidente da Câmara dos Deputados, João Paulo Cunha, pedindo a votação da nova Lei de Imprensa. Aprovado na Comissão de Constituição de Justiça (CCJ), o substitutivo do deputado Vilmar Rocha (PFL-GO) está pronto para ser votado pelo Plenário desde o ano de 1997. O projeto original da nova Lei de Imprensa (número 3232/1992) é de autoria do senador Josaphat Marinho (PMDB-BA).
Um dos principais defensores da moção foi o próprio presidente do CCS, José Paulo Cavalcanti. Na opinião do advogado, a atual Lei de Imprensa – na realidade, a chamada Lei de Informação (5.250) de 1967 - “beira a indecência”. Ele apontou a série de avanços contidos no substitutivo que está pronto para ser votado na Câmara. Entre eles, a obrigação das empresas do setor de imprensa de apresentar os nomes de seus acionistas e cotistas (Art. 4º), a previsão de responsabilização solidária pelo conteúdo publicado/veiculado do jornalista, da empresa e dos proprietários (Art. 7º), a previsão de prestação de serviços à comunidade por injúria, calúnia e difamação (Art. 9º), a prioridade ao interesse público visado pela informação nos casos de conflito entre liberdade de informação e os direitos privados (Art. 26), e a revelação obrigatória de material publicitário com distinções em letras maiúsculas e visíveis - “PUBLICIDADE”, “INFORME PUBLICITÁRIO” OU “MATÉRIA PAGA” (Art. 29).
Além de viabilizar a votação desta primeira moção, o próprio Cavalcanti apresentou e viu aprovada, por sete votos favoráveis e dois contrários, uma outra moção de sua autoria. O presidente do CCS propôs a alteração do Art. 6º do substitutivo do deputado Vilmar Rocha, que dispõe sobre as indenizações. Para ele, a nova Lei de Imprensa precisa abraçar integralmente o conceito de “máxima liberdade de imprensa e máxima responsabilização do ofensor” e “correção do prejuízo”, presente em legislações desse tipo que vigoram em outros países. Cavalcanti pediu a exclusão da referência ao respeito à solvabilidade dos ofensores e disse temer que alguns grupos de comunicação do país que são extrememente influentes, mas passam por dificuldades econômicas, podem alegar insolvência para não pagar altas indenizações. “Para mim, isso é o coração da Lei de Imprensa. Se garantir a impunidade, a nova lei não valerá de nada”.
O art. 6º da nova Lei de Imprensa define que a condenação por infrações dessa natureza levará em conta: I - a culpa ou dolo, a primariedade ou reincidência específica e a capacidade financeira do ofensor, respeitada a sua solvabilidade, II – a área de cobertura primária do veículo e sua audiência, quando meio de comunicação eletrônica, e a circulação, quando meio impresso; III – a extensão do prejuízo à imagem do ofendido, tendo em vista sua situação profissional, econômica e social. Seguido do parágrafo único: “A petição inicial de ação de indenização especificará, no pedido, os critérios constantes do caput deste artigo, que servirão de parâmetro para a fixação do valor da indenização”.
Votaram contra a segunda moção os dois representantes do empresariado presentes na reunião: Jayme Sirotsky [que ocupa uma das cadeiras do CCS como representante da sociedade civil, mas compõe a direção do grupo de rádio e televisão Rede Brasil Sul (RBS)] e Paulo Machado de Carvalho Neto, presidente - até a data desta terça-feira (31), quando deixará o cargo - da Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert), principal entidade dos conglomerados do setor. Para Sirotsky, a modificação aprovada pelos conselheiros é incompatível com a fragilidade institucional (de lei e de mercado) brasileira.
Na prática, discorreu o relator da matéria Vilmar Rocha, a lei de 1967 já foi superada pela Constituição de 1988. “Mas ainda há juízes que dão sentenças com base na Lei de Imprensa de 1967 por causa do caos jurídico que se verifica acerca do tema”, observou o deputado, que também esteve presente na reunião do CCS.
Rocha concordou que o substitutivo permite uma interpretação técnico-jurídica de caráter ambíguo na questão da definição de indenizações. “Foi o acordo possível na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). No Brasil é assim: temos que avançar por partes. Se a experiência confirmar o temor do presidente do CCS [José Paulo Cavalcanti], nada impede que o artigo seja novamente mudado”.
No art. 51 da lei da década de 60 que “regula a liberdade de manifestação do pensamento e de informação”, a responsabilidade civil é exclusiva do jornalista e a indenização é limitada, em cada escrito, transmissão ou notícia, “a 20 salários mínimos da região, nos casos de falsa imputação de crime a alguém, ou de imputação de crime verdadeiro, nos casos em que a lei não admite a exceção da verdade”.
Nas palavras de Cavalcanti, a impunidade pode estar sendo garantida com a manutenção do atual texto legislativo da nova Lei de Imprensa. Neste sentido, a “liberdade de imprensa” estaria sendo confundida, como em mais um “jargão jornalístico”, com a “liberdade de empresa”.

Ancinav
Também na reunião desta segunda (30), o CCS decidiu ampliar as atribuições da comissão interna formada para analisar a questão da regionalização de programação. O grupo recebeu novos integrantes e assumiu o compromisso de produzir uma análise da proposta do Ministério da Cultura (MinC) de criação da Agência Nacional do Cinema e do Audiovisual (Ancinav), que está atualmente em consulta pública.

FALTA TRANSPARÊNCIA

“Brasil não tem cultura de ouvidorias públicas”, diz ouvidora

Para a ouvidora-geral da União, o país está longe de perceber a importância de órgãos como este para a melhoria da gestão pública. A Ouvidoria-geral da União tem promovido debates regionais para discutir o tema e elaborar um modelo de ouvidoria pública para o Brasil.
Bia Barbosa 30/08/2004

São Paulo – Criada no início de 2001, a Ouvidoria-geral do Município de São Paulo tinha como principais atribuições apurar denúncias e garantir a legalidade dos atos e ações dos agentes públicos. Após uma campanha eleitoral marcada pelo tema da corrupção, o órgão nasceu para ser um canal de comunicação direta com a população para que, através das reclamações da população, se pudesse buscar eficiência na administração pública. Três anos e meio depois, a ouvidoria do município tem equipe e orçamento próprios. No ano passado, atendeu cerca de 50 mil pessoas – numa média de 240 por dia. 71,5% dos casos investigados já foram concluídos, num prazo médio de três meses. A partir dessas denúncias, 153 servidores do município – vários que ocupavam cargos altos na administração – passaram por processos internos de sindicância, que antes se arrastavam durante anos, e perderam sua função pública.

“O combate à corrupção ficou marcante na atuação da ouvidoria de São Paulo”, conta Elci Pimenta Freire, ouvidor-geral do município há dois anos, que acaba de iniciar seu segundo mandato. “Além das denúncias, vemos a ouvidoria como defensora dos direitos do cidadão e instrumento de democracia participativa. Ela tem o papel de romper com a falta de acesso às informações na relação do cidadão com a esfera pública. Busca transparência das ações do governo”, diz Freire.

Hoje, a Ouvidoria-geral de São Paulo é vista como referência nacional na política de transparência pública e um exemplo a ser seguido na construção de um modelo de ouvidoria pública para o país. Modelo este que vem sendo discutido nacionalmente através de encontros regionais, preparatórios para o II Fórum Nacional de Ouvidorias Públicas, que deve acontecer em dezembro, em Brasília. Esta é a primeira vez que o governo federal realiza encontros regionais nessa área. O evento tem o objetivo de dimensionar o papel das ouvidorias públicas como órgãos de defesa dos direitos dos cidadãos e de exercício do controle social, além de discutir a mobilização da sociedade para a tomada de posição sobre os problemas encontrados na prestação dos serviços públicos em geral. Pretende também propor às instâncias governamentais a adoção de instrumentos, tanto legais como administrativos, para garantir a defesa dos cidadãos.

Na última sexta-feira (27), o ciclo regional de debates foi concluído com o 1º Encontro de Ouvidorias Públicas das Regiões Sul e Sudeste, realizado na capital paulista. A reunião superou as expectativas dos organizadores e contou com a presença de 350 pessoas, mostrando que a pauta das ouvidorias públicas acompanha de certa forma o desenvolvimento regional do país. “Quanto mais desenvolvida a região, mais este conceito aparece. Na região sudeste, por exemplo, este tema é mais discutido, o número de ouvidorias é maior, muitas que já tiveram uma trajetória de refluxo. Tudo isso subsidia a construção deste modelo de ouvidoria pública no Brasil”, explica Eliana Pinto, Ouvidora-geral da União. “Nosso desafio é esse: construir um modelo de ouvidoria pública para o povo brasileiro que não seja igual aos dos países desenvolvidos, mas que tenha os mesmos conceitos de democracia”, aponta.

Há setores brasileiros que há tempos contam com o auxílio das ouvidorias para a melhoria da gestão pública. A Saúde é um deles. Já há representação em todos os Estados e na maioria dos municípios do país. Previdência e Fazenda são outros que avançam neste sentido. No entanto, o país ainda está longe desta prática. A imensa maioria da população brasileira sequer ouviu falar em ouvidorias e ainda há uma barreira por parte dos próprios gestores públicos em perceberem a importância de órgãos como este. “Estamos no primeiro degrau deste processo: falar de ouvidorias. Neste falar, buscamos identificar os problemas e encontrar soluções que sejam factíveis para a nossa realidade. Mas o debate está colocado e é irreversível, porque a sociedade avança nos valores democráticos e republicanos”, acredita Eliana.

Durante 1º Encontro de Ouvidorias Públicas das Regiões Sul e Sudeste, a ouvidora-geral da União conversou com a Agência Carta Maior sobre os principais desafios de se criar uma cultura de ouvidorias no país. Leia a seguir os principais trechos desta entrevista.

Agência Carta Maior – O Brasil já percebeu a importância das ouvidorias para a administração pública?

Eliana Pinto - No Brasil não existe cultura de ouvidoria. Quanto tomamos posse em abril de 2003, percebemos uma grande desorganização no setor e sentimos a necessidade de sair de Brasília e ir para as regiões e Estados ver como se dava o debate das ouvidorias regionalmente. Neste processo, culminado neste encontro, avaliamos, mesmo superficialmente, que ainda não há cultura de ouvidoria no nosso país. Primeiro porque ainda não se percebe o povo brasileiro como cidadão. Estamos na busca da construção de uma cidadania forte, e a cidadania pressupõe o mínimo de conhecimento do ser humano de que ele é o promotor, partícipe e condutor do Estado. E de que depende dele um Estado forte, democrático e participativo. Com esse viés, também fortalecemos todos os seguimentos de participação popular.

Mas para a ouvidoria, ainda é um outro degrau. É necessário ganhar a cidadania, tirar as pessoas da exclusão social. Mesmo para os que já estão incluídos, que são a minoria, ainda não há conhecimento do que é uma ouvidoria. O grande desafio nestes primeiros anos de atuação é justamente trazer este conceito à tona. Colocar, junto com o resgate da cidadania, este novo segmento. Para muitos países desenvolvidos, já é um segmento corrente. Para nós, não. É isso que percebemos quando vamos às ruas e ao encontro da sociedade civil organizada. Nem ao menos o tema eles conhecem. O sentimento e a premissa maior daqueles que estão atuando em ouvidorias hoje é dizer ao povo o que é uma ouvidoria. Chamar as pessoas para este debate. Por isso estamos fazendo esses eventos.

CM – É um trabalho de mão dupla, de convencimento e conscientização tanto dos gestores públicos como também da sociedade civil organizada?

EP – É um trabalho que demanda uma parceria estreita da sociedade civil organizada com os gestores dos municípios, dos Estados e também com os gestores federais. Temos que ampliar o debate para todos os gestores da administração pública, para que eles percebam a grande valia que é ter uma ouvidoria. É uma escada que a gente vai buscar. Mas não basta ter uma ouvidoria para dizer que ela existe. Queremos uma ouvidoria minimamente organizada e que tenha, na concepção de seus gestores, a valia deste espaço, subsidiando cada dia mais a melhoria da gestão.

CM – Esta luta pela transparência está sendo travada dentro do governo federal também?

EP – Está sendo dentro de todos os governos. O que é fato é que a gestão tem que ser transparente em todos os níveis, vinculada a qualquer poder, estando em qualquer nível do poder federativo.

CM – Dentro do governo Lula há abertura para isso?

EP – Total. Isso é tão real que há dados concretos. Não é só discurso. Quando tomamos posse, existiam no poder executivo 41 unidades. Hoje, um ano depois de trabalho, somos mais de 110 de unidades. Um acréscimo de mais de 100%. Os números são inquestionáveis. O que também observamos é que nenhum governo, desde o descobrimento do nosso país, tratou a ouvidoria como este governo está tratando agora, buscando discutir o tema, sistematizar o modelo, organizar e sentir o que o nosso povo quer, o que os poderes buscam encontrar.

CM – Mas há críticas ao governo em relação a outros mecanismos de transparência da gestão pública, como a restrição do Siaf (Sistema Integrado de Administração Financeira do Governo Federal) e a volta do debate sobre a Lei da Mordaça. Isso não mostra o contrário?

EP – Isso faz parte da democracia. Quando se discute, quando se contrapõe e se busca uma alternativa àquela que não deu certo estamos buscando realmente o melhor. E isso é muito salutar. O que não podemos perder nunca é a visão de que é no grande debate que a sociedade traz para nós o modelo de ouvidoria que quer. Não somos nós que vamos impor isso a ela. E em relação a isso temos a convicção de que estamos no caminho certo.