FALTA TRANSPARÊNCIA
“Brasil não tem cultura de ouvidorias públicas”, diz ouvidora
Para a ouvidora-geral da União, o país está longe de perceber a importância de órgãos como este para a melhoria da gestão pública. A Ouvidoria-geral da União tem promovido debates regionais para discutir o tema e elaborar um modelo de ouvidoria pública para o Brasil.
Bia Barbosa 30/08/2004
São Paulo – Criada no início de 2001, a Ouvidoria-geral do Município de São Paulo tinha como principais atribuições apurar denúncias e garantir a legalidade dos atos e ações dos agentes públicos. Após uma campanha eleitoral marcada pelo tema da corrupção, o órgão nasceu para ser um canal de comunicação direta com a população para que, através das reclamações da população, se pudesse buscar eficiência na administração pública. Três anos e meio depois, a ouvidoria do município tem equipe e orçamento próprios. No ano passado, atendeu cerca de 50 mil pessoas – numa média de 240 por dia. 71,5% dos casos investigados já foram concluídos, num prazo médio de três meses. A partir dessas denúncias, 153 servidores do município – vários que ocupavam cargos altos na administração – passaram por processos internos de sindicância, que antes se arrastavam durante anos, e perderam sua função pública.
“O combate à corrupção ficou marcante na atuação da ouvidoria de São Paulo”, conta Elci Pimenta Freire, ouvidor-geral do município há dois anos, que acaba de iniciar seu segundo mandato. “Além das denúncias, vemos a ouvidoria como defensora dos direitos do cidadão e instrumento de democracia participativa. Ela tem o papel de romper com a falta de acesso às informações na relação do cidadão com a esfera pública. Busca transparência das ações do governo”, diz Freire.
Hoje, a Ouvidoria-geral de São Paulo é vista como referência nacional na política de transparência pública e um exemplo a ser seguido na construção de um modelo de ouvidoria pública para o país. Modelo este que vem sendo discutido nacionalmente através de encontros regionais, preparatórios para o II Fórum Nacional de Ouvidorias Públicas, que deve acontecer em dezembro, em Brasília. Esta é a primeira vez que o governo federal realiza encontros regionais nessa área. O evento tem o objetivo de dimensionar o papel das ouvidorias públicas como órgãos de defesa dos direitos dos cidadãos e de exercício do controle social, além de discutir a mobilização da sociedade para a tomada de posição sobre os problemas encontrados na prestação dos serviços públicos em geral. Pretende também propor às instâncias governamentais a adoção de instrumentos, tanto legais como administrativos, para garantir a defesa dos cidadãos.
Na última sexta-feira (27), o ciclo regional de debates foi concluído com o 1º Encontro de Ouvidorias Públicas das Regiões Sul e Sudeste, realizado na capital paulista. A reunião superou as expectativas dos organizadores e contou com a presença de 350 pessoas, mostrando que a pauta das ouvidorias públicas acompanha de certa forma o desenvolvimento regional do país. “Quanto mais desenvolvida a região, mais este conceito aparece. Na região sudeste, por exemplo, este tema é mais discutido, o número de ouvidorias é maior, muitas que já tiveram uma trajetória de refluxo. Tudo isso subsidia a construção deste modelo de ouvidoria pública no Brasil”, explica Eliana Pinto, Ouvidora-geral da União. “Nosso desafio é esse: construir um modelo de ouvidoria pública para o povo brasileiro que não seja igual aos dos países desenvolvidos, mas que tenha os mesmos conceitos de democracia”, aponta.
Há setores brasileiros que há tempos contam com o auxílio das ouvidorias para a melhoria da gestão pública. A Saúde é um deles. Já há representação em todos os Estados e na maioria dos municípios do país. Previdência e Fazenda são outros que avançam neste sentido. No entanto, o país ainda está longe desta prática. A imensa maioria da população brasileira sequer ouviu falar em ouvidorias e ainda há uma barreira por parte dos próprios gestores públicos em perceberem a importância de órgãos como este. “Estamos no primeiro degrau deste processo: falar de ouvidorias. Neste falar, buscamos identificar os problemas e encontrar soluções que sejam factíveis para a nossa realidade. Mas o debate está colocado e é irreversível, porque a sociedade avança nos valores democráticos e republicanos”, acredita Eliana.
Durante 1º Encontro de Ouvidorias Públicas das Regiões Sul e Sudeste, a ouvidora-geral da União conversou com a Agência Carta Maior sobre os principais desafios de se criar uma cultura de ouvidorias no país. Leia a seguir os principais trechos desta entrevista.
Agência Carta Maior – O Brasil já percebeu a importância das ouvidorias para a administração pública?
Eliana Pinto - No Brasil não existe cultura de ouvidoria. Quanto tomamos posse em abril de 2003, percebemos uma grande desorganização no setor e sentimos a necessidade de sair de Brasília e ir para as regiões e Estados ver como se dava o debate das ouvidorias regionalmente. Neste processo, culminado neste encontro, avaliamos, mesmo superficialmente, que ainda não há cultura de ouvidoria no nosso país. Primeiro porque ainda não se percebe o povo brasileiro como cidadão. Estamos na busca da construção de uma cidadania forte, e a cidadania pressupõe o mínimo de conhecimento do ser humano de que ele é o promotor, partícipe e condutor do Estado. E de que depende dele um Estado forte, democrático e participativo. Com esse viés, também fortalecemos todos os seguimentos de participação popular.
Mas para a ouvidoria, ainda é um outro degrau. É necessário ganhar a cidadania, tirar as pessoas da exclusão social. Mesmo para os que já estão incluídos, que são a minoria, ainda não há conhecimento do que é uma ouvidoria. O grande desafio nestes primeiros anos de atuação é justamente trazer este conceito à tona. Colocar, junto com o resgate da cidadania, este novo segmento. Para muitos países desenvolvidos, já é um segmento corrente. Para nós, não. É isso que percebemos quando vamos às ruas e ao encontro da sociedade civil organizada. Nem ao menos o tema eles conhecem. O sentimento e a premissa maior daqueles que estão atuando em ouvidorias hoje é dizer ao povo o que é uma ouvidoria. Chamar as pessoas para este debate. Por isso estamos fazendo esses eventos.
CM – É um trabalho de mão dupla, de convencimento e conscientização tanto dos gestores públicos como também da sociedade civil organizada?
EP – É um trabalho que demanda uma parceria estreita da sociedade civil organizada com os gestores dos municípios, dos Estados e também com os gestores federais. Temos que ampliar o debate para todos os gestores da administração pública, para que eles percebam a grande valia que é ter uma ouvidoria. É uma escada que a gente vai buscar. Mas não basta ter uma ouvidoria para dizer que ela existe. Queremos uma ouvidoria minimamente organizada e que tenha, na concepção de seus gestores, a valia deste espaço, subsidiando cada dia mais a melhoria da gestão.
CM – Esta luta pela transparência está sendo travada dentro do governo federal também?
EP – Está sendo dentro de todos os governos. O que é fato é que a gestão tem que ser transparente em todos os níveis, vinculada a qualquer poder, estando em qualquer nível do poder federativo.
CM – Dentro do governo Lula há abertura para isso?
EP – Total. Isso é tão real que há dados concretos. Não é só discurso. Quando tomamos posse, existiam no poder executivo 41 unidades. Hoje, um ano depois de trabalho, somos mais de 110 de unidades. Um acréscimo de mais de 100%. Os números são inquestionáveis. O que também observamos é que nenhum governo, desde o descobrimento do nosso país, tratou a ouvidoria como este governo está tratando agora, buscando discutir o tema, sistematizar o modelo, organizar e sentir o que o nosso povo quer, o que os poderes buscam encontrar.
CM – Mas há críticas ao governo em relação a outros mecanismos de transparência da gestão pública, como a restrição do Siaf (Sistema Integrado de Administração Financeira do Governo Federal) e a volta do debate sobre a Lei da Mordaça. Isso não mostra o contrário?
EP – Isso faz parte da democracia. Quando se discute, quando se contrapõe e se busca uma alternativa àquela que não deu certo estamos buscando realmente o melhor. E isso é muito salutar. O que não podemos perder nunca é a visão de que é no grande debate que a sociedade traz para nós o modelo de ouvidoria que quer. Não somos nós que vamos impor isso a ela. E em relação a isso temos a convicção de que estamos no caminho certo.
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