OS CHOQUES DA CIVILIZAÇÃO
OS CHOQUES DA CIVILIZAÇÃO
Sergio Paulo Rouanet
(Publicado na Folha de São Paulo, em 03 de outubro de 2004)
Nunca poderemos nos esquecer da imagem das mães russas traumatizadas com o assassinato dos seus filhos, em Beslan. Poucos dias depois, a mídia comemorava o terceiro aniversário do atentado contra as torres gêmeas e mostrava a imagem de espectadores e sobreviventes, traumatizados com o horror que se desenrolava diante dos seus olhos. Desde a invasão do Iraque, somos testemunhas do trauma sofrido pelos parentes de crianças mortas. De tão rotineiros, quase não queremos saber dos traumas vividos pelos israelenses com os ataques suicidas dos palestinos e pelos palestinos com os atos de terrorismo de Estado praticados pelo governo Sharon. O denominador comum de todas essas cenas é o trauma. Sua onipresença no mundo contemporâneo não pode deixar a psicanálise indiferente. Afinal, ela tem lidado com o trauma desde que o método catártico foi aplicado por Freud e Breuer para induzir a ab-reação de uma experiência traumática. Mas o aspecto da teoria freudiana do trauma que parece mais relevante hoje é a que destaca o efeito traumático de atos externos de violência. A partir da propensão dos soldados afetados por traumatismos de guerra a voltarem sempre em seus sonhos e pensamentos à situação traumática original, Freud foi levado a postular, em "Além do Princípio do Prazer", a existência de uma compulsão de repetição, aparentemente alheia aos automatismos da realização de desejo. Introduziu na mesma ocasião a idéia da pulsão da morte, que ilustrava exemplarmente a compulsão repetitiva, na medida em que todo ser vivo aspira a regredir ao estado anorgânico original. A neurose de guerra dos veteranos de 1914-1818 seria um caso especial da neurose traumática, na qual o aparecimento dos sintomas resulta de uma situação em que o sujeito se sentiu em risco de vida. Como são exatamente dessa natureza os traumatismos que enfrentamos hoje e como eles estão ficando cada vez mais freqüentes, alguns psicanalistas poderiam arriscar a hipótese de que a neurose traumática venha a ser a neurose do século 21, como a histeria o foi do século 19. Se isso se confirmasse, o papel clínico da psicanálise poderia tornar-se especialmente importante, porque ela substituiria com vantagem as técnicas farmacológicas e behavioristas com que a psiquiatria americana está tratando as vítimas do "post-traumatic stress disturbance", entidade clínica inventada pelo "Manual Diagnóstico e Estatístico de Desordens Mentais" (DSMM) para tirar do caminho "velharias" como neurose de guerra e neurose traumática. Mas pergunto-me se a psicanálise não pode prestar-nos outro serviço, além da mera clínica. Não poderia o pensamento de Freud ajudar-nos a compreender os mecanismos subjacentes às ações que estão transformando nosso mundo numa civilização do trauma? A resposta está no último grande livro em que Freud debateu o tema do trauma, "Moisés e o Monoteísmo". Nesse livro, Freud faz uma audaciosa passagem da patologia individual para a social, referindo-se à existência de um trauma coletivo da humanidade. Antes de fazer o que ele chama sua "analogia", recapitula alguns elementos da teoria do trauma. Assim, recorda o fenômeno da latência, intervalo mais ou menos longo entre o momento em que se produziu o trauma e o momento em que aparecem os sintomas. Lembra também que podem existir duas fixações ("Bindungen") ao trauma, uma positiva, durante a qual o sujeito volta continuamente à situação traumática original, e outra negativa, durante a qual ele não quer saber das impressões antigas, dos traumas esquecidos, e tenta evitar tudo o que possa revivê-los.
Vítima expiatória
Vem em seguida a analogia. Freud sugere que a humanidade havia experimentado um trauma original -a culpa resultante do assassinato do pai primitivo; que ela passara por uma latência, durante a qual esse episódio fora esquecido; que o parricídio fora repetido pelo povo judeu, que assassinara Moisés e sofrera o trauma correspondente; que durante sua própria latência os judeus se esqueceram dos ensinamentos transmitidos por Moisés, principalmente os relativos ao monoteísmo, que Moisés trouxera ao Egito; que com o tempo essas memórias foram sendo recuperadas, embora no modo deformado que caracteriza as reminiscências pós-traumáticas do indivíduo; e que uma heresia judaica, o cristianismo, na formulação que lhe foi dada por um judeu romanizado de Tarso, Paulo, representou uma tentativa de aliviar o povo judaico da culpa resultante do assassinato do pai, oferecendo um filho -o filho de Deus- como vítima expiatória.
Gostaria aqui de retomar a idéia do trauma coletivo para levantar a hipótese de que certas ações violentas de nossa época, além de gerarem traumas, fossem por sua vez reações diferidas de traumas anteriores -os produzidos pela modernidade.
Para entendermos essa hipótese, temos que precisar o conceito de modernidade.
Para Max Weber, a modernidade é o desfecho de processos de transformação socioeconômica que se deram na Europa a partir do século 17, tornando-se subseqüentemente universais em sua influência, e que implicaram por um lado a ruptura com relações sociais arcaicas (desculturalização) e, por outro, na racionalização e secularização crescentes do mundo, levando à substituição gradativa da religião pela ciência (dessacralização).
Essa descrição esconde, em sua secura, o extraordinário sofrimento que a modernização impôs a grupos humanos ainda imersos em relações feudais e adeptos de uma visão religiosa do mundo. Se quisermos ter uma idéia desse sofrimento, temos que abandonar a sociologia acadêmica e reler uma das mais conhecidas passagens do "Manifesto Comunista".
Segundo Marx, a modernidade burguesa "destruiu todas as relações feudais, patriarcais, idílicas. Ela rompeu os vínculos feudais que ligavam o homem a seus superiores naturais e não deixou nenhum outro nexo entre os homens, a não ser o interesse nu, o pagamento à vista. Ela afogou na água gelada do cálculo egoísta o zelo sagrado dos devotos, o entusiasmo cavalheiresco, a melancolia dos pequenos burgueses... Em lugar da exploração envolta em ilusões religiosas e políticas, ela colocou a exploração aberta, despudorada, direta, brutal. Ela tirou seu halo de todas as atividades que até agora tinham sido contempladas com temor reverencial. Todas as relações fixas, oxidadas, com sua seqüela de idéias e concepções tradicionais, são dissolvidas, e todas as que se formam novamente envelhecem antes que se ossifiquem. Tudo o que é estamental, tudo o que é sólido, se evapora, tudo o que é sagrado é profanado...".
Assim, Marx antecipa as duas principais características da modernização, na descrição de Weber: o processo de desculturalização, pelo qual o indivíduo se "libera" das "relações feudais, patriarcais, idílicas", e o processo de dessacralização, pelo qual a razão toma o lugar antes ocupado pela fé, pondo o "cálculo gelado" em lugar das "ilusões religiosas". Mas, diferentemente de Weber, Marx não evita os julgamentos de valor e é sensível ao sofrimento acarretado pela dissolução dos estamentos e pela profanação do sagrado.
Se acrescentarmos à perspectiva marxista e à weberiana uma perspectiva psicanalítica, creio que estaríamos justificados em substituir a palavra "sofrimento" por um termo mais técnico: trauma. Diríamos então que a modernidade infligiu a milhões de seres humanos dois grande traumas, o primeiro ao arrancá-los de suas culturas tradicionais e, o segundo, ao impor-lhes uma secularização forçada.
Enquanto homem do Iluminismo, Freud aprovava o principal efeito do processo de desculturalização: a produção da individualidade autônoma, livre das malhas do clã, da tribo, do estamento. Mas, mesmo endossando o julgamento de Freud, não podemos ignorar a importância para o homem dos vínculos comunitários e a tragédia que representou para ele a dissolução desses vínculos. Essa tragédia deve ter produzido um verdadeiro choque histórico: um trauma. Freud talvez dissesse que esse trauma teria sido sobredeterminado pela recordação nebulosa de um trauma semelhante, na origem dos tempos: a culpa sentida pelos filhos quando abandonaram a horda primitiva, depois do assassinato do pai. Nos dois casos, era a ruptura de uma solidariedade comunitária, de uma relação filial baseada na "patria potestas" do senhor da horda ou do feudo. Tudo se passa como se o trânsito da psicologia de massas para a psicologia individual fosse sempre um trânsito culpado. No que diz respeito ao processo de dessacralização, sabemos como Freud valorizava a ciência, chegando ao ponto de divinizá-la, à semelhança de Hérault de Séchelles, durante a Revolução Francesa: "Nosso deus Logos". E sabemos que para ele a ciência se opunha à religião, que ele designa como "ilusão", utilizando a mesma terminologia de Marx: ilusão religiosa. O papel histórico da razão moderna era o de triunfar sobre o obscurantismo religioso.
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Como no passado, o homem se vê encurralado por forças desmedidas, que ameaçam as hostes do bem do mesmo modo que antes
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Ao mesmo tempo, Freud sabia que essa tarefa não era fácil, porque a ciência privava o homem dos consolos do irracional. A religião, pelo contrário, liberava o homem da difícil tarefa do pensamento, ao proporcionar explicações pré-fabricadas para todos os fatos e ao desobrigá-lo de submeter essas explicações ao controle da experiência. Além disso, a religião é uma forma fantasmática de proteger o indivíduo dos perigos da natureza, da implacabilidade da morte, dos sofrimentos impostos pela vida social. Ela minora o infortúnio terrestre e promete no Paraíso uma beatitude compensatória. Daí o choque produzido pela modernidade, que confrontava o homem com um mundo secularizado. De novo, pode ter sido um trauma sobredeterminado, na medida em que o pai primitivo foi o protótipo de Deus, esse mesmo Deus que estava morrendo uma segunda vez. Vimos que na neurose individual coexistem uma fixação positiva pelo trauma, pela qual a situação traumática é rememorada e trabalhada, e a fixação negativa, que foge da lembrança da situação traumática. O mesmo, "mutatis mutandis", ocorre na neurose traumática coletiva. Os dois traumas da modernidade são objetos de memórias que evocam tanto a situação de violência original (fixação positiva) quanto um passado mítico anterior ao trauma (fixação negativa). Essa dupla fixação está presente nas principais tendências antimodernas, muitas das quais assumem formas violentas. A resistência à desculturalização se manifesta como reivindicação de identidades culturais agredidas, como vontade de reterritorialização num mundo em contínuo processo de relativização de todos os espaços locais e nacionais. Essa resistência assume a forma de uma fantasia sadomasoquista que reencena continuamente o episódio da agressão cultural (fixação positiva no trauma) e a de uma fantasia de realização de desejo que foge do trauma idealizando uma cultura pré-traumática que provavelmente nunca existiu. A política das identidades, alguns movimentos sociais, certas vertentes do movimento antiglobalização representam a condensação dessas duas fantasias, dessas duas maneiras de contestar a modernidade, dessas duas maneiras de recapturar o passado.
Humilhações
Do mesmo modo, a resistência à secularização se manifesta como reatualização permanente dos episódios de violência durante os quais a religião foi agredida pelo choque traumático (fixação positiva) e como regressão a um passado intacto em que a religião reinava sem partilha e a autoridade das Escrituras não era contestada (fixação negativa).
Podemos começar a entender esse fenômeno se partirmos da famosa passagem de Freud sobre as três humilhações que feriram o amor próprio humano: a humilhação cosmológica, infligida por Copérnico quando provou que a Terra não era o centro do Universo; a humilhação biológica, imposta por Darwin, cuja doutrina evolucionista reinseriu o homem no restante do mundo animal; e a humilhação psíquica, sofrida pelo homem quando a psicanálise revelou que o ego estava sujeito a determinismos internos cuja verdadeira natureza permanecia inconsciente.
Freud usa a expressão "Kränkung", humilhação, e não trauma, mas o próprio Freud deixou claro, em "Estudos sobre a Histeria", que a "humilhação" era uma variedade de "trauma psíquico". Por isso, creio que alguns tradutores acertaram em cheio quando traduziram "Kränkung" por ferida, ferida narcísica, com o que se aproximaram do conceito de trauma, que, afinal, quer dizer ferida, em grego. Mas o que, exatamente, foi ferido em cada um desses traumas? Freud diz que foi o amor próprio humano, a "Eigenliebe". Mas podemos ser mais específicos. Além desse denominador comum, existe claramente outro. O que foi lesado, nos três casos, foi a visão religiosa do mundo. O que esses traumas fizeram foi demolir a autoridade das Escrituras. O trauma cosmológico contestou a versão bíblica de que o Sol girava em torno da Terra; o trauma biológico desafiou o relato bíblico sobre a criação do homem por Deus e o estatuto privilegiado que lhe foi concedido no mundo animal; e o trauma psíquico transformou a religião numa neurose obsessiva da humanidade e fez de Deus a mera projeção supra-sensível da figura paterna. Mas o que ganhamos com a transformação de "Kränkung" em trauma? Simplesmente isso: ela nos permite compreender melhor a violenta contestação, hoje em dia, de Copérnico, Darwin e Freud e a ressurreição correspondente, por motivos religiosos, daquelas mesmíssimas concepções do mundo -o geocentrismo, o criacionismo e a psicologia não-analítica-, que aparentemente haviam sido destronadas por nossos três traumas. Quanto a Copérnico, há hoje um debate acalorado em círculos evangélicos americanos sobre a validade ou não da teoria heliocêntrica. Há toda uma corrente que sustenta com argumentos científicos que a versão bíblica -a geocêntrica- é a única que corresponde aos fatos. Assim, uma experiência realizada em 1925 teria demonstrado não haver nenhuma prova de que a Terra se movesse em torno do Sol. Mas a essência da argumentação é teológica. Afirma-se que o heliocentrismo é refutado pela Bíblia. Assim, o Gênese refere-se várias vezes ao nascer e ao pôr do Sol, mas nunca a um movimento da Terra em redor do Sol. Além disso, a Bíblia não se refere à criação do Sol antes do quarto dia, ao passo que a Terra foi criada desde o primeiro dia. Como pode a Terra, então, ter girado durante três dias em torno de um Sol que ainda não existia?
Ensino ilegal
Como o próprio Freud observou, a doutrina evolucionista foi objeto de uma enorme resistência desde a publicação da "Origem das Espécies". Depois da Primeira Guerra, vários Estados norte-americanos promulgaram leis considerando ilegal o ensino do darwinismo nas escolas, por contrariar a versão bíblica da criação do homem. Foi quando um jovem professor secundário de Tennessee decidiu desafiar a lei, confessando haver ensinado o evolucionismo a seus alunos. Podia-se acreditar que a absolvição do rapaz, num julgamento rumoroso que ridicularizou o campo fundamentalista diante da nação inteira, levaria as legiões de Deus a depor as armas. Mas nos últimos anos os fundamentalistas voltaram à cena. Em 1999, a Junta de Educação do Estado de Kansas votou uma recomendação que na prática encorajava as escolas a retirarem dos currículos a evolução. Há dois anos, o Estado de Ohio decidiu adotar um currículo que inclui a evolução, mas inclui também as teorias que a criticam, o que equivale a dar o mesmo valor a Darwin e ao criacionismo bíblico. Não podendo mais dizer que o país está ameaçado pelo comunismo, a direita religiosa americana descobriu que a verdadeira ameaça, agora, é o darwinismo. Chegou-me às mãos recentemente um artigo intitulado "Propaganda Evolucionista", cujo autor enxerga em toda parte indícios de uma vasta conspiração darwinista para intoxicar as consciências cristãs. Uma das provas mais sinistras desse complô anticristão é que o sistema operacional do último computador Macintosh se chama Darwin. Como o ridículo não tem fronteiras, o exemplo americano está frutificando no Brasil. Em 2004, o governo do Estado do Rio de Janeiro, que em 2002 havia sancionado uma lei estabelecendo o ensino confessional nas escolas públicas estaduais, decidiu que a doutrina criacionista seria ensinada neste ano nas aulas de religião. É uma primeira vitória do fundamentalismo antidarwinista no Estado em cuja capital Darwin aportou, em 1832, a bordo do "Beagle". Finalmente, não é demais recordar a virulência dos ataques dirigidos à psicanálise nos EUA. Em seus aspectos mais gerais, esses ataques estão esplendidamente descritos no livro de Elizabeth Roudinesco, "Por Que a Psicanálise?" [ed. Jorge Zahar]. Uma das frentes em que se dá a luta contra Freud é a religiosa.
Catecismo
Os grupos fundamentalistas cristãos afirmam, e não deixam de ter razão, que a visão bíblica do homem é incompatível com a antropologia freudiana. A Associação Evangélica Fundamental está distribuindo pela internet uma espécie de catecismo, contrapondo os ensinamentos da Bíblia e os da psicologia, incluída a psicanálise, e concluindo que a psicanálise foi "inspirada pelo homem pecador". Outra publicação reforça essa interpretação, dizendo que a "psicologia freudiana zomba dos ensinamentos morais dos pais e perturba a consciência dos que a escutam. Isso remove as restrições ao pecado". Em todos esses exemplos, tudo se passa como se a reação ao trauma provocado pelo secularismo moderno estivesse pressionando o homem em duas direções opostas. Por um lado, impulsionado pela compulsão de repetição, a serviço da pulsão da morte, o homem revive a situação primitiva de violência, vendo-se como protagonista de uma luta cósmica entre o bem e o mal, transfiguração alegórica do conflito que no passado produziu o trauma. Como no passado, ele se vê encurralado por forças desmedidas, que ameaçam as hostes do bem do mesmo modo que antes. A compulsão de repetição faz com que ele enfrente os mesmos inimigos, usando exatamente os mesmos argumentos religiosos que no passado haviam sido utilizados pelos adversários de Copérnico, de Darwin e de Freud. Por outro lado, impulsionado pelo princípio do prazer, o homem cria utopias retrospectivas, imagens de um paraíso perdido, anterior ao trauma, em que não havia cisão entre a religião e a ciência, porque toda ciência era garantida pela autoridade da religião. Muitos desses fenômenos são ainda marginais. Pode-se alegar que os anticopernicanos e os antidarwinistas pertencem a grupos minoritários e que nem todos os antifreudianos são lunáticos. Mas creio que esses fatos têm valor de índice e apontam para uma configuração mais geral: a volta da religião.
Três fundamentalismos
É algo que está diante dos nossos olhos e se manifesta mais dramaticamente nos três fundamentalismos que hoje em dia estão ensangüentando o planeta. Penso no fundamentalismo islâmico, que prega uma "jihad" [guerra santa] contra os infiéis e quer uma reforma das leis e da sociedade segundo os preceitos da "charia", do direito corânico; no fundamentalismo judaico, que em algumas de suas vertentes pratica atos de terrorismo e de assassinato político e que se baseia nas promessas feitas por Deus aos patriarcas para recusar qualquer concessão territorial aos árabes; e no fundamentalismo cristão, hoje representado pelos fanáticos religiosos que tomaram o poder na Casa Branca e que induz o presidente da nação mais poderosa do mundo a liderar uma cruzada contra o "eixo do mal" [representado por Irã, Coréia do Norte e o antigo regime iraquiano, agora deposto]. Em todos esses casos, condensam-se a fixação positiva pelo trauma (reencenação da guerra cósmica entre o bem e o mal, durante a qual, no passado, as forças do bem sofreram uma derrota traumática, que agora será vingada) e a fixação negativa pelo trauma, que se manifesta pela denegação do trauma e pela criação de um passado idílico anterior ao trauma (ordem social restaurada, regida seja pelo Corão, seja pela Torá, seja pelo Antigo e Novo testamentos).
Em conclusão, creio que há boas razões para ver em certos movimentos violentos de nossa época uma reação a choques produzidos pela modernidade. O trauma pode ser recente, como no caso dos países islâmicos que foram afetados pelas pressões modernizadoras há no máximo uma ou duas gerações, ou mais antigo, como no caso da Europa ou dos EUA, mas em todos os casos esses movimentos visam seja a reculturalização, seja a ressacralização, sejam as duas coisas ao mesmo tempo, como acontece com os dois extremismos que atualmente incendeiam o Oriente Médio.
Resta responder a uma última pergunta: por que esses movimentos estão se dando agora? Em termos freudianos, os sintomas patológicos surgem depois de finda a latência, muitas vezes em conseqüência de um acontecimento que tenha uma relação associativa com o fato traumático. Em nosso caso, creio que os acontecimentos "deflagradores" foram a globalização, que, com sua tendência a destruir todas as especificidades culturais, reativou a memória da desculturalização introduzida pela modernidade, e o fim da Guerra Fria, que, culminando na vitória avassaladora do capitalismo, com seus valores materialistas, reativou a memória da dessacralização moderna. A eliminação dessas situações de violência extrema exige medidas de caráter social e político. Mas a psicanálise também tem sua contribuição a dar.
A natureza dessa contribuição já começou a ser debatida no Congresso de Psicopatologia Fundamental, realizado no Rio, em setembro, inteiramente dedicado ao tema do trauma, e certamente voltará a ser debatida em São Paulo, no ano que vem, pelo Congresso Internacional de Psicanálise, cujo foco será também o trauma.
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Sergio Paulo Rouanet é ensaísta e professor visitante na pós-graduação em sociologia da Universidade de Brasília. É autor de "Os Dez Amigos de Freud" (dois volumes, Companhia das Letras). Escreve regularmente na seção "Brasil 505 d.C.".
Cultura para quem precisa
E-MAIL ENVIADO POR ORLANDO LOPES À LISTA DE DISCUSSÂO DLIS-ECT
Cultura para quem precisa
Ivana Jinkings*
Uma ameaça ronda o mundo dos livros: a ameaça do obscurantismo. A globalização econômica e financeira amplia a desigualdade entre ricos e pobres e os livros não escapam a essa lógica. Grupos estrangeiros compram editoras brasileiras e se estabelecem com planos avassaladores no mercado nacional. Grandes editoras brasileiras compram menores, acentuando o caráter de monopólio, agravando a tendência à homogeneização na produção de conhecimento e contribuindo para rebaixar o nível das publicações. Enquanto isso, o poder público, que deveria cumprir papel regulador, reproduz as distorções do "mercado" nas aquisições de acervos para bibliotecas e escolas.
Enfrentando contexto de forte concentração no setor, pequenos e médios editores -principais defensores do livro como um bem cultural (e não como simples mercadoria) e os que se dedicam a difundir idéias novas, descobrir autores e formar leitores- vêem-se obrigados a diminuir as tiragens e elevar o preço médio de suas publicações. Resultado, em parte, da política engendrada pelos conglomerados livreiros, que vendem espaços às megaeditoras e ocupam majoritariamente suas prateleiras com best-sellers -no mais das vezes volumes de auto-ajuda, esotéricos ou de mero entretenimento-, impondo o achatamento da oferta das obras ditas de conteúdo, cada dia mais dirigidas a uma reduzida elite intelectual.
A exigência de rentabilidade imediata faz com que a decisão sobre que livros publicar deixe de ser tomada pelos editores e passe às mãos das grandes livrarias (que escolhem as obras pelo seu potencial de venda, ditam o que comprar, de que forma, com que desconto!), ao que se rende parcela significativa de editores, fechando o ciclo do verdadeiro salve-se-quem-puder em que se transformou o mercado editorial.
Não se trata, fique claro, de reivindicar aqui "reserva de mercado" para as pequenas editoras, mas de iniciar a discussão sobre como defender o patrimônio maior da nação, a cultura. Em um país onde apenas 20% dos habitantes lêem livros, não podemos deixar nas mãos do mercado a decisão do que merece ser publicado. Ou aceitar, atônitos, essa máxima de que o mercado se rege por leis naturais, universais, inevitáveis. O dinheiro não pode comandar processo tão importante.
Num país periférico, o editor (não o proprietário de editora, muitas vezes um comerciante como tantos outros, mas o profissional do mundo das letras) não pode abdicar do seu papel de agente cultural. O mesmo se aplica aos livreiros e editores dos suplementos literários, pois o que está em jogo é a identidade, a diversidade e o pluralismo.
Mas tampouco os governantes compreendem seu lugar no mundo da cultura. Numa alarmante mistura entre o público e o mercado, as compras governamentais invariavelmente favorecem as mesmas grandes editoras. Sem um programa claro também nesse campo, o governo do PT mal tomou posse e fez a festa de 14 grupos editoriais, despendendo cerca de R$ 100 milhões, em 2003, na compra de coleções para escolas. Interessante notar que, como o Ministério da Educação é o maior comprador de livros do país (quiçá do mundo), são justamente as editoras de didáticos que despertam primeiro a cobiça das empresas estrangeiras, atraídas pelas benesses desse negócio milionário.
Para completar o triste quadro, temos ainda a mal ajambrada questão da "contrapartida social". A produção cultural no Brasil vive do dinheiro do contribuinte, mas não beneficia a sociedade na mesma proporção. Banqueiros e outros empresários posam de mecenas, lançam mão de conceitos elevados para financiar, às custas do erário, via Lei Rouanet, projetos editoriais luxuosos oferecidos como brindes e depois vendidos a peso de ouro. E, além de beneficiarem quem menos precisa, esses investimentos reforçam as desigualdades regionais, pois quase 90% deles convergem para os Estados do Sudeste, ficando regiões como Norte e Centro-Oeste com ínfimos 0,4% e 2,5% cada uma.
O Ministério da Cultura começa a rever os critérios dessas leis, em muito boa hora. Acredito na capacidade e no direito que o Estado possui de intervir em questões culturais, de chamar à responsabilidade social, fomentar e criar condições para que a produção cultural se dê, transferindo para a área pública o papel assumido pelas empresas e seus gerentes de marketing. Sem se dobrar à gritaria dos que se rebelam contra o "dirigismo cultural" mas nunca se dignaram a discutir o sentido social da literatura, da música, do cinema, do teatro ou das artes plásticas. O que os agenciadores das verbas de incentivo temem no diálogo entre poder público e sociedade é ter de abrir mão de privilégios e práticas que confinam a cultura aos limites medíocres do entretenimento.
Gramsci dizia que todo homem é um intelectual. Independentemente de sua classe social, ele quer entender o mundo que o rodeia, a sociedade e a história que a precede e explica. O livro é uma ferramenta capaz de explicar a história, de transformar o panorama intelectual do país e do mundo. Para que isso seja possível, autores, editores, educadores e livreiros precisam deixar de ficar calados, de cabeça baixa e mãos no bolso; precisam se lançar à missão de fazer do livro um bem a ser democratizado, formando leitores críticos, comprometidos com um futuro mais justo para a humanidade.
*Ivana Jinkings, 43, é editora da Boitempo e uma das fundadoras da Libre (Liga Brasileira de Editores). O texto acima foi publicado pela Folha de São Paulo, em 04 de outubro de 2004.
RESPOSTA DE UM DOS MEMBROS DA LISTA
Orlando:
A impressão que dá quando entramos em livrarias é que muita coisa boa está sendo feita. Há reedições de coisas muito interessantes, resgates de textos praticamente desaparecidos por muito tempo. Por exemplo, um dia desses, entrando numa livraria dessas, encontrei uma reedição do livro "Panamérica", de José Agripino de Paula (com prefácio de Caetano). Achava que somente encontraria esse livro em sebos. Pois não! Há também o que a Internet tem contribuído com seus e-books. Tem muita coisa por aí. O problema é ler a coisa na tela do computador ou imprimir! A discussão tá aí. O texto da folha aponta questões relevantes mostrando que não é somente com reedições 'bordadas', da Ediouro, por exemplo, que vai resolver o problema. O ponto é o mercado, a participação popular, o acesso a essa cultura, o papel do governo, dinheiro, dinheiro, prazer do texto... incentivo.
Valeu pela reflexão,
Geraldo Majella
COMENTÁRIO DE ORLANDO LOPES SOBRE O E-MAIL ENTERIOR
E aê, Geraldo!
Pois é, essas questões de preservação e recuperação de patrimônio cultural estão se tornando cada vez mais urgentes. A questão das edições esgotadas e do acervo de editoras pequenas, de editoras fechadas (o que é que estamos perdendo, do tanto que se deve ter publicado durante o século XX...). Estamos tentando ver se conseguimos formar um grupo pra discutir isso, como e qual o limite de reapropriação que podemos visualizar.
Uma das expectativas do nosso projeto aqui em Guarapacity é criar uma editora (orgulhosamente, a Editora Maratimba) e produzir livros essencialmente em formato digital (por enquanto a opção é usar o PDF) e distribuir via internet textos que não se encontram facilmente. Aqui no Estado, temos pelo menos umas 70, 80 obras que poderiam ser reeditadas, pensando apenas o movimento dos anos 80 pra cá.
Por enquanto, estamos "viajando" na idéia, nas possíbilidades dela. Quem sabe em breve estejamos "desenterrando" a memória do ES?
Abração,
Orlando
NA ONDA DA POLÊMICA
NA ONDA DA POLÊMICA
Conselho de Comunicação pede "resgate" da Lei de Imprensa
Conselho de Comunicação Social (CCS) aprovou, por unanimidade, moção pedindo a votação da nova Lei de Imprensa. O substitutivo está pronto para ser apreciado pelo Plenário da Câmara Federal desde 1997. Lei em vigor é de 1967.
Maurício Hashizume 30/08/2004
Brasília – A polêmica sobre o projeto de lei que cria o Conselho Federal de Jornalismo (CFJ) pesou sobre o Conselho de Comunicação Social (CCS). Por unanimidade, os conselheiros aprovaram, na reunião desta segunda-feira (30), moção endereçada ao presidente da Câmara dos Deputados, João Paulo Cunha, pedindo a votação da nova Lei de Imprensa. Aprovado na Comissão de Constituição de Justiça (CCJ), o substitutivo do deputado Vilmar Rocha (PFL-GO) está pronto para ser votado pelo Plenário desde o ano de 1997. O projeto original da nova Lei de Imprensa (número 3232/1992) é de autoria do senador Josaphat Marinho (PMDB-BA).
Um dos principais defensores da moção foi o próprio presidente do CCS, José Paulo Cavalcanti. Na opinião do advogado, a atual Lei de Imprensa – na realidade, a chamada Lei de Informação (5.250) de 1967 - “beira a indecência”. Ele apontou a série de avanços contidos no substitutivo que está pronto para ser votado na Câmara. Entre eles, a obrigação das empresas do setor de imprensa de apresentar os nomes de seus acionistas e cotistas (Art. 4º), a previsão de responsabilização solidária pelo conteúdo publicado/veiculado do jornalista, da empresa e dos proprietários (Art. 7º), a previsão de prestação de serviços à comunidade por injúria, calúnia e difamação (Art. 9º), a prioridade ao interesse público visado pela informação nos casos de conflito entre liberdade de informação e os direitos privados (Art. 26), e a revelação obrigatória de material publicitário com distinções em letras maiúsculas e visíveis - “PUBLICIDADE”, “INFORME PUBLICITÁRIO” OU “MATÉRIA PAGA” (Art. 29).
Além de viabilizar a votação desta primeira moção, o próprio Cavalcanti apresentou e viu aprovada, por sete votos favoráveis e dois contrários, uma outra moção de sua autoria. O presidente do CCS propôs a alteração do Art. 6º do substitutivo do deputado Vilmar Rocha, que dispõe sobre as indenizações. Para ele, a nova Lei de Imprensa precisa abraçar integralmente o conceito de “máxima liberdade de imprensa e máxima responsabilização do ofensor” e “correção do prejuízo”, presente em legislações desse tipo que vigoram em outros países. Cavalcanti pediu a exclusão da referência ao respeito à solvabilidade dos ofensores e disse temer que alguns grupos de comunicação do país que são extrememente influentes, mas passam por dificuldades econômicas, podem alegar insolvência para não pagar altas indenizações. “Para mim, isso é o coração da Lei de Imprensa. Se garantir a impunidade, a nova lei não valerá de nada”.
O art. 6º da nova Lei de Imprensa define que a condenação por infrações dessa natureza levará em conta: I - a culpa ou dolo, a primariedade ou reincidência específica e a capacidade financeira do ofensor, respeitada a sua solvabilidade, II – a área de cobertura primária do veículo e sua audiência, quando meio de comunicação eletrônica, e a circulação, quando meio impresso; III – a extensão do prejuízo à imagem do ofendido, tendo em vista sua situação profissional, econômica e social. Seguido do parágrafo único: “A petição inicial de ação de indenização especificará, no pedido, os critérios constantes do caput deste artigo, que servirão de parâmetro para a fixação do valor da indenização”.
Votaram contra a segunda moção os dois representantes do empresariado presentes na reunião: Jayme Sirotsky [que ocupa uma das cadeiras do CCS como representante da sociedade civil, mas compõe a direção do grupo de rádio e televisão Rede Brasil Sul (RBS)] e Paulo Machado de Carvalho Neto, presidente - até a data desta terça-feira (31), quando deixará o cargo - da Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert), principal entidade dos conglomerados do setor. Para Sirotsky, a modificação aprovada pelos conselheiros é incompatível com a fragilidade institucional (de lei e de mercado) brasileira.
Na prática, discorreu o relator da matéria Vilmar Rocha, a lei de 1967 já foi superada pela Constituição de 1988. “Mas ainda há juízes que dão sentenças com base na Lei de Imprensa de 1967 por causa do caos jurídico que se verifica acerca do tema”, observou o deputado, que também esteve presente na reunião do CCS.
Rocha concordou que o substitutivo permite uma interpretação técnico-jurídica de caráter ambíguo na questão da definição de indenizações. “Foi o acordo possível na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). No Brasil é assim: temos que avançar por partes. Se a experiência confirmar o temor do presidente do CCS [José Paulo Cavalcanti], nada impede que o artigo seja novamente mudado”.
No art. 51 da lei da década de 60 que “regula a liberdade de manifestação do pensamento e de informação”, a responsabilidade civil é exclusiva do jornalista e a indenização é limitada, em cada escrito, transmissão ou notícia, “a 20 salários mínimos da região, nos casos de falsa imputação de crime a alguém, ou de imputação de crime verdadeiro, nos casos em que a lei não admite a exceção da verdade”.
Nas palavras de Cavalcanti, a impunidade pode estar sendo garantida com a manutenção do atual texto legislativo da nova Lei de Imprensa. Neste sentido, a “liberdade de imprensa” estaria sendo confundida, como em mais um “jargão jornalístico”, com a “liberdade de empresa”.
Ancinav
Também na reunião desta segunda (30), o CCS decidiu ampliar as atribuições da comissão interna formada para analisar a questão da regionalização de programação. O grupo recebeu novos integrantes e assumiu o compromisso de produzir uma análise da proposta do Ministério da Cultura (MinC) de criação da Agência Nacional do Cinema e do Audiovisual (Ancinav), que está atualmente em consulta pública.
FALTA TRANSPARÊNCIA
“Brasil não tem cultura de ouvidorias públicas”, diz ouvidora
Para a ouvidora-geral da União, o país está longe de perceber a importância de órgãos como este para a melhoria da gestão pública. A Ouvidoria-geral da União tem promovido debates regionais para discutir o tema e elaborar um modelo de ouvidoria pública para o Brasil.
Bia Barbosa 30/08/2004
São Paulo – Criada no início de 2001, a Ouvidoria-geral do Município de São Paulo tinha como principais atribuições apurar denúncias e garantir a legalidade dos atos e ações dos agentes públicos. Após uma campanha eleitoral marcada pelo tema da corrupção, o órgão nasceu para ser um canal de comunicação direta com a população para que, através das reclamações da população, se pudesse buscar eficiência na administração pública. Três anos e meio depois, a ouvidoria do município tem equipe e orçamento próprios. No ano passado, atendeu cerca de 50 mil pessoas – numa média de 240 por dia. 71,5% dos casos investigados já foram concluídos, num prazo médio de três meses. A partir dessas denúncias, 153 servidores do município – vários que ocupavam cargos altos na administração – passaram por processos internos de sindicância, que antes se arrastavam durante anos, e perderam sua função pública.
“O combate à corrupção ficou marcante na atuação da ouvidoria de São Paulo”, conta Elci Pimenta Freire, ouvidor-geral do município há dois anos, que acaba de iniciar seu segundo mandato. “Além das denúncias, vemos a ouvidoria como defensora dos direitos do cidadão e instrumento de democracia participativa. Ela tem o papel de romper com a falta de acesso às informações na relação do cidadão com a esfera pública. Busca transparência das ações do governo”, diz Freire.
Hoje, a Ouvidoria-geral de São Paulo é vista como referência nacional na política de transparência pública e um exemplo a ser seguido na construção de um modelo de ouvidoria pública para o país. Modelo este que vem sendo discutido nacionalmente através de encontros regionais, preparatórios para o II Fórum Nacional de Ouvidorias Públicas, que deve acontecer em dezembro, em Brasília. Esta é a primeira vez que o governo federal realiza encontros regionais nessa área. O evento tem o objetivo de dimensionar o papel das ouvidorias públicas como órgãos de defesa dos direitos dos cidadãos e de exercício do controle social, além de discutir a mobilização da sociedade para a tomada de posição sobre os problemas encontrados na prestação dos serviços públicos em geral. Pretende também propor às instâncias governamentais a adoção de instrumentos, tanto legais como administrativos, para garantir a defesa dos cidadãos.
Na última sexta-feira (27), o ciclo regional de debates foi concluído com o 1º Encontro de Ouvidorias Públicas das Regiões Sul e Sudeste, realizado na capital paulista. A reunião superou as expectativas dos organizadores e contou com a presença de 350 pessoas, mostrando que a pauta das ouvidorias públicas acompanha de certa forma o desenvolvimento regional do país. “Quanto mais desenvolvida a região, mais este conceito aparece. Na região sudeste, por exemplo, este tema é mais discutido, o número de ouvidorias é maior, muitas que já tiveram uma trajetória de refluxo. Tudo isso subsidia a construção deste modelo de ouvidoria pública no Brasil”, explica Eliana Pinto, Ouvidora-geral da União. “Nosso desafio é esse: construir um modelo de ouvidoria pública para o povo brasileiro que não seja igual aos dos países desenvolvidos, mas que tenha os mesmos conceitos de democracia”, aponta.
Há setores brasileiros que há tempos contam com o auxílio das ouvidorias para a melhoria da gestão pública. A Saúde é um deles. Já há representação em todos os Estados e na maioria dos municípios do país. Previdência e Fazenda são outros que avançam neste sentido. No entanto, o país ainda está longe desta prática. A imensa maioria da população brasileira sequer ouviu falar em ouvidorias e ainda há uma barreira por parte dos próprios gestores públicos em perceberem a importância de órgãos como este. “Estamos no primeiro degrau deste processo: falar de ouvidorias. Neste falar, buscamos identificar os problemas e encontrar soluções que sejam factíveis para a nossa realidade. Mas o debate está colocado e é irreversível, porque a sociedade avança nos valores democráticos e republicanos”, acredita Eliana.
Durante 1º Encontro de Ouvidorias Públicas das Regiões Sul e Sudeste, a ouvidora-geral da União conversou com a Agência Carta Maior sobre os principais desafios de se criar uma cultura de ouvidorias no país. Leia a seguir os principais trechos desta entrevista.
Agência Carta Maior – O Brasil já percebeu a importância das ouvidorias para a administração pública?
Eliana Pinto - No Brasil não existe cultura de ouvidoria. Quanto tomamos posse em abril de 2003, percebemos uma grande desorganização no setor e sentimos a necessidade de sair de Brasília e ir para as regiões e Estados ver como se dava o debate das ouvidorias regionalmente. Neste processo, culminado neste encontro, avaliamos, mesmo superficialmente, que ainda não há cultura de ouvidoria no nosso país. Primeiro porque ainda não se percebe o povo brasileiro como cidadão. Estamos na busca da construção de uma cidadania forte, e a cidadania pressupõe o mínimo de conhecimento do ser humano de que ele é o promotor, partícipe e condutor do Estado. E de que depende dele um Estado forte, democrático e participativo. Com esse viés, também fortalecemos todos os seguimentos de participação popular.
Mas para a ouvidoria, ainda é um outro degrau. É necessário ganhar a cidadania, tirar as pessoas da exclusão social. Mesmo para os que já estão incluídos, que são a minoria, ainda não há conhecimento do que é uma ouvidoria. O grande desafio nestes primeiros anos de atuação é justamente trazer este conceito à tona. Colocar, junto com o resgate da cidadania, este novo segmento. Para muitos países desenvolvidos, já é um segmento corrente. Para nós, não. É isso que percebemos quando vamos às ruas e ao encontro da sociedade civil organizada. Nem ao menos o tema eles conhecem. O sentimento e a premissa maior daqueles que estão atuando em ouvidorias hoje é dizer ao povo o que é uma ouvidoria. Chamar as pessoas para este debate. Por isso estamos fazendo esses eventos.
CM – É um trabalho de mão dupla, de convencimento e conscientização tanto dos gestores públicos como também da sociedade civil organizada?
EP – É um trabalho que demanda uma parceria estreita da sociedade civil organizada com os gestores dos municípios, dos Estados e também com os gestores federais. Temos que ampliar o debate para todos os gestores da administração pública, para que eles percebam a grande valia que é ter uma ouvidoria. É uma escada que a gente vai buscar. Mas não basta ter uma ouvidoria para dizer que ela existe. Queremos uma ouvidoria minimamente organizada e que tenha, na concepção de seus gestores, a valia deste espaço, subsidiando cada dia mais a melhoria da gestão.
CM – Esta luta pela transparência está sendo travada dentro do governo federal também?
EP – Está sendo dentro de todos os governos. O que é fato é que a gestão tem que ser transparente em todos os níveis, vinculada a qualquer poder, estando em qualquer nível do poder federativo.
CM – Dentro do governo Lula há abertura para isso?
EP – Total. Isso é tão real que há dados concretos. Não é só discurso. Quando tomamos posse, existiam no poder executivo 41 unidades. Hoje, um ano depois de trabalho, somos mais de 110 de unidades. Um acréscimo de mais de 100%. Os números são inquestionáveis. O que também observamos é que nenhum governo, desde o descobrimento do nosso país, tratou a ouvidoria como este governo está tratando agora, buscando discutir o tema, sistematizar o modelo, organizar e sentir o que o nosso povo quer, o que os poderes buscam encontrar.
CM – Mas há críticas ao governo em relação a outros mecanismos de transparência da gestão pública, como a restrição do Siaf (Sistema Integrado de Administração Financeira do Governo Federal) e a volta do debate sobre a Lei da Mordaça. Isso não mostra o contrário?
EP – Isso faz parte da democracia. Quando se discute, quando se contrapõe e se busca uma alternativa àquela que não deu certo estamos buscando realmente o melhor. E isso é muito salutar. O que não podemos perder nunca é a visão de que é no grande debate que a sociedade traz para nós o modelo de ouvidoria que quer. Não somos nós que vamos impor isso a ela. E em relação a isso temos a convicção de que estamos no caminho certo.
Três observações preliminares
CONSELHO FEDERAL DE JORNALISMO
Três observações preliminares
Venício A. de Lima (*)
A primeira – e fundamental – é que o problema da nossa mídia não é a atuação profissional dos seus jornalistas, mas a estrutura concentrada e cruzada da propriedade e a ausência histórica de uma legislação que possibilite o controle democrático do setor com a participação da sociedade civil organizada.
A segunda é que considero um equívoco tratar a profissão de jornalista como se ela fosse uma atividade profissional liberal equivalente a de advogados, engenheiros ou médicos. O jornalista brasileiro é um assalariado que trabalha em um mercado onde há muito mais oferta de profissionais do que oportunidades de trabalho.
E, a terceira, refere-se ao fato de que a experiência histórica tem mostrado que onde prevalece a organização sindical dos jornalistas sua força política é maior, ao contrário de países onde se implantou a estrutura de Conselhos. Entre nós a tarefa prioritária deveria ser o fortalecimento dos sindicatos em busca da recuperação da capacidade dos jornalistas de incidir na construção das políticas públicas e na luta pela democratização das comunicações.
(*) Professor aposentado da Universidade de Brasília, fundador e primeiro coordenador do Núcleo de Estudos sobre Mídia e Política da UnB, autor de Mídia: teoria e política (Ed. Fundação Perseu Abramo)
(Fonte: Observatório da Imprensa)
Resto de liberdade
CONSELHO FEDERAL DE JORNALISMO
Resto de liberdade
Ivo Lucchesi (*)
Não há razões maiores para espantos, ante o projeto encaminhado pelo governo ao Congresso, no tocante à criação do Conselho Federal de Jornalismo, destinado a "fiscalizar", "disciplinar" e "orientar" a atividade jornalística. Por outro lado, a ausência de espanto não se confunde com falta de indignação, o que exige, portanto, mobilização de todos os setores que julguem a medida como ameaça ao que sobra de liberdade no mundo contemporâneo cujo destino – ao que parece – sinaliza novo ciclo de "medievalização", inspirado pelo princípio da lógica binária, principalmente a partir do 11 de Setembro. No Brasil, não há sequer o pretexto que tanto auxiliou a escalada militarista do governo Bush.
O projeto entra na pauta, como já alertara Alberto Dines, em depoimento a O Globo (7/8), justamente no centro de uma campanha eleitoral, período propício para as oposições explorarem as irregularidades que julgam existirem. Outro aspecto, porém, a esse se soma: a grave situação financeira por que passam as empresas de comunicação, o que possibilita insinuar estratégia de pressão. A junção desses dois fatos não pode ser negligenciada, em razão do que eles podem sugerir. Nos EUA, em nome do temor ao terror, foram violentadas inúmeras garantias à secular liberdade do indivíduo. No caso brasileiro, quem tem a temer? E por quê?
Salvo qualquer equívoco de percepção, os jornais têm sido extremamente cordiais com a esfera governamental, desde a posse, para não incluir o período de campanha em 2002. Considerando-se o noticiário diário, tanto impresso quanto eletrônico, deduz-se que a parte mais expressiva e influente da mídia nada faz senão divulgar (e com destaque) os favoráveis resultados decorrentes do continuado modelo econômico. A imprensa não produziu nenhum factóide contra a imagem governista. Todavia, a julgar pelos três verbos que constam na redação do projeto, conclui-se que o jornalismo atual é exercido por profissionais indisciplinados, desorientados e corruptos.
Afronta à autonomia crítica
A depender das principais manchetes, incansáveis na divulgação da "onda de crescimento", o partido do governo deverá tomar posse das quase 6.000 prefeituras. A propósito, devemos concluir que nenhum país é dedicado a pesquisas como o Brasil. A velocidade e variedade com que são aplicadas e interpretadas é algo realmente digno de espanto. Esses "pesquisadores" e "analistas" devem varar noites de incessante insônia, tamanha a sucessão de cálculos, porcentuais, comparações, leitura criteriosa das respostas, exame de planilhas, entre outros derivados. Tudo com o aval de "metodologia científica". É pena que tal eficiência não se dê em setores de primeira necessidade. Algo está fora de lugar...
Que incômodos maiores, afinal, sente o governo quanto à atuação da imprensa? Será o contraponto das denúncias de práticas revestidas de ética suspeita? Até o presente momento, tudo que a imprensa tem noticiado a respeito de fatos irregulares é simplesmente fruto de materialidades deixadas (ou esquecidas) no meio do caminho. Os responsáveis existem e a imprensa tem a obrigação de identificá-los e de pressioná-los a fim de se explicarem (ou defenderem-se). Isto é princípio elementar no trato da coisa pública, como igualmente o deve ser numa República democrática.
A proposta de criação de um conselho para monitorar a imprensa representa total inversão de papéis. Desculpem, senhores governantes. Na condução de seus cargos – doação da vontade majoritária dos eleitores – é que devem cuidar melhor quanto ao que fazem e dizem, em face de, na outra ponta, estar a imprensa pronta a fiscalizar, cobrar disciplina e divulgar, sim, tudo que se desvia do rumo correto ou prometido.
Como se deve comportar a imprensa, somente ao leitor deve caber o julgamento, seja na condição de mero usuário do jornal, seja na condição de personalidade atingida por essa ou aquela matéria. Aliás, quanto a este particular, Alberto Dines sentenciou com maior propriedade no artigo "Contra o denuncismo, o peleguismo" do qual O Globo (7/8) extraiu o trecho seguinte:
"Jornalistas não precisam ser protegidos pelo Executivo; ao contrário, precisam libertar-se das amarras do poder político."
Não bastasse a impertinência declarada na proposição do projeto, fica outra questão não menos preocupante. Esta diz respeito a quem seriam os membros integrantes do Conselho. Que critérios norteariam as indicações? Quem fiscalizaria os membros do Conselho para possíveis práticas de cooptação? Como ardorosa defensora do projeto, cabe assinalar a deplorável declaração da presidente da Federação Nacional de Jornalistas, reproduzida pelo Globo e subtraída do site da Fenaj. Investida do mais alto estilo paternalista (ou, no caso, "maternalista"), a presidente Beth Costa afirma:
"Não é uma luta corporativa, pois os conselhos vão atuar em defesa da sociedade ao disciplinar e fiscalizar a prática do jornalismo."
Cabe esclarecer que, até a conclusão do presente artigo, a "sociedade" não promoveu nenhum ato capaz de revelar (ou sugerir) tal demanda. Segundo consta, a "sociedade" se encontra às voltas com graves problemas de outra ordem e, portanto, carente de sérios e intensos projetos direcionados às suas profundas vicissitudes, antes que ela desapareça ou se extermine.
Da "lei da mordaça" à "máscara de ferro"
Qual foi, ao longo de ano e meio de governo, a crítica veiculada pela imprensa brasileira que se revelasse inverídica? Será que, na ânsia de esmero em copiar a gestão anterior, alvo sempre de "satanização", o atual governo deseja aprimorar a "lei da mordaça", pondo "máscara de ferro" na cabeça de jornalistas, em nome da "divinização" de um Executivo que, ungido pela graça suprema, está acima de qualquer contrariedade?
A imprensa tem a obrigação de manter, sob severa vigilância, a atuação do Estado, se o regime é democrático. Em sendo um Estado de perfil tirânico, então é compreensível transformar jornalista em secretário particular ou em adulador servente. Nesse caso, o Estado deve, em lugar de conselhos fiscalizadores, estatizar os veículos de informação, destinando à população doses de liberdade em pequenas cápsulas. Quantas mais metamorfoses a política brasileira terá a oferecer?
(*) Ensaísta, doutor em Teoria Literária pela UFRJ, professor titular do curso de Comunicação das Faculdades Integradas Hélio Alonso (Facha), Rio de Janeiro
(Fonte: Observatório da Imprensa
A questionável utilidade das corregedorias
CONSELHO FEDERAL DE JORNALISMO
A questionável utilidade das corregedorias
Mauro Malin
Uma das lições perenes do inesquecível João Rath é que não existe nada mais parecido com um jornalista do que um policial, e vice-versa.
É uma chave para entender o que acontece na mídia. Experimentem. Se possível sem preconceito contra a mídia, hem?
Munidos da sabedoria do Rath, podemos comodamente comparar a idéia de propor a criação de um Conselho Federal de Jornalismo com a instituição de corregedorias.
Elas se tornaram aparentemente necessárias, já que na polícia o tempo todo alguém sai da linha, ou muda de lado e se esquece de pedir demissão, mas não resolvem. Preciso tomar o tempo do leitor argumentando por quê? E, já que me dão licença, digo que acreditar demasiado em corregedorias só pode piorar as coisas. Porque consome tempo e recursos que deveriam ser concentrados numa formação adequada – de público leitor, ouvinte, telespectador, e de profissionais –, essa, sim, capaz de dar algum alento.
Direitos contraditórios
A iniciativa do ministro Ricardo Berzoini não é um raio em céu azul. A proposta é antiga e nasce de uma preocupação que faz sentido (o que não faz sentido é a resposta ao problema). Berzoini não está, no caso, preocupado em defender a liberdade de expressão, e sim em se defender do abuso dela. Como o governo Lula já se embrulhou bastante nesse terreno, com a história do correspondente do New York Times Larry Rother, muita gente boa fica de orelha em pé.
Advogados constitucionalistas e professores da disciplina deveriam explicar incansavelmente à opinião pública o conteúdo do Capítulo I ("Dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos") do Título II ("Dos Direitos e Garantias Fundamentais") da Constituição de 1988. O texto é facilmente encontrável, mas ele precisa ser interpretado com sabedoria. O leigo não só desconhece o alcance de muita coisa escrita na lei como freqüentemente se engana a respeito do que pensa ter compreendido.
Os mestres mostrariam que o direito à liberdade de expressão é amplamente assegurado, mas não de forma irrestrita. Isso está escrito com todas as palavras na Constituição. O anonimato, por exemplo, é proibido. Ninguém pode, digamos, realizar uma emissão radiofônica sem se identificar. Porque o espaço por onde se propagam as ondas de rádio é público, objeto de concessão.
Deveriam destacar que, quando se diz serem "invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas", há limitação implícita à liberdade de imprensa. É um conflito entre direitos coletivos e direitos individuais que, dentro da lógica constitucional, cabe à Justiça resolver em última instância.
Em outras palavras, há contradição entre liberdades públicas e direitos individuais. Contradição não quer dizer "ou, ou", como se insiste em pensar no Brasil – significando que a afirmação de um pólo liquida o outro –, mas "e". Os dois pólos convivem em conflito constante. Compreender isso seria um grande avanço para a civilização brasileira.
Banhados pela sabedoria dos doutores, os jornalistas, parte da opinião pública, entenderiam melhor as balizas legais (e éticas, cívicas, etc.) que delimitam sua atividade. Entender não de orelhada, mas de modo a exercer sua atividade com mais discernimento.
Currais municipais
Não creio que seja bom caminho criar uma agência que regule o trabalho jornalístico. Este Observatório faz mais para melhorar os padrões do que faria um agência. Dói mais. Não vem de cima para baixo. Não dá aos criticados a aura de rebeldes perseguidos pelo oficialismo.
O que cumpre regular e fiscalizar adequadamente é a propriedade dos meios de comunicação e seu uso. Foi o tema do programa do Observatório da Imprensa na TV, na terça-feira, 3/8. Tão importante que deveria talvez ser rubrica permanente deste OI na internet (não é que faltem rubricas...).
Mas os participantes do programa – Alberto Dines, Artur da Távola, Roberto Müller, o deputado Orlando Fantazzini e o pesquisador Venício Artur de Lima –, que deram todos contribuições excelentes, esqueceram-se dos municípios. Abordaram a relação espúria de senadores e deputados com meios de comunicação, mas, em ano de eleição municipais, deixaram de mencionar os esquemas locais, que têm mais poder relativo sobre o eleitorado do que os grandes e médios meios de comunicação.
Valerá a pena voltar ao tema.
Mais embaixo é mais embaixo
O jornalista Sérgio Gomes, da empresa Oboré, de São Paulo, dá uma volta no parafuso. Chama a atenção para situações ainda mais cruéis, as das rádios comunitárias urbanas que, por uma série de impedimentos legais, acabam financeiramente nas mãos de traficantes, grupos religiosos ou políticos endinheirados (para os padrões desses lugares).
O estatuto das rádio comunitárias no município de São Paulo será redefinido por lei proposta conjuntamente pelos vereadores Carlos Neder, do PT, e Ricardo Montoro, do PSDB (Projeto de Lei 145/01). Por enquanto, há na Câmara Municipal unanimidade a respeito do projeto.
Sérgio Gomes fala também de uma iniciativa importante que a mídia está deixando passar em brancas nuvens – a da criação de rádios-escolas em todas as escolas da capital paulista. A Prefeitura chama esse programa de Educom.Rádio. Das 474 escolas do município, 272 já estão equipadas com sistemas de rádio que, durante o fim de semana, transmitem para a vizinhança.
É possível que iniciativas desse tipo sejam a semente de um amplo processo educativo, de baixo para cima, capaz de formar um novo tipo de cidadão usuário da mídia. Se a mídia entrar no currículo escolar, os próprios meios de comunicação serão obrigados a rever seus processos.
Leonardo Sciascia (1921-1989) disse certa vez (entrevista a Marcelle Padovani publicada no livro La Sicilia come metafora, de 1979), coberto de razão:
"Afirmo que não se chegará nunca a nada de perfeito, de justo e de efetivamente livre em matéria de organização política e social, mas que cumpre viver e lutar como se estivéssemos convencidos de consegui-lo."
(Fonte: Observatório da Imprensa)
Empresas versus jornalistas
CONSELHO FEDERAL DE JORNALISMO
Empresas versus jornalistas
Luciano Martins Costa
Discute-se neste Observatório, com muita freqüência, qual seria a causa original e central das sucessivas crises que vêm minando a capacidade da imprensa brasileira de crescer e alcançar alguma sustentabilidade. Com a mesma freqüência escorregam as opiniões para um ponto anterior, sobre qual seria o papel social da imprensa. Ou, ainda mais atrás, quando se questiona se a imprensa teria mesmo um papel social específico a cumprir. Lateralmente, quando se tenta localizar nossa crise doméstica no contexto da crise mundial da imprensa, acabamos sem referenciais específicos para bem entender nossos problemas e melhor atacá-los.
Esse passo quadrado de merengue tem feito com que a dança das análises nos conduza sempre de volta ao ponto inicial. De que estamos falando, mesmo?
Pois bem. O texto do projeto de lei que cria o Conselho Federal de Jornalismo e os Conselhos Regionais de Jornalismo, se não tem o poder mágico de abrir uma ampla janela que nos permita entender o que se passa, traz um ponto de referência fundamental — uma pedra angular a partir da qual podemos, profissionais da imprensa e sociedade em geral, estabelecer uma linguagem comum e alguns fundamentos sobre os quais estender nossas opiniões e reflexões.
O texto resulta de muitos debates, iniciados ha mais de vinte anos, para os quais contribuíram centenas de profissionais, em variadas instâncias, e culminou num anteprojeto que foi aprovado em 10 de setembro de 2002 pela Federação Nacional de Jornalistas e todos os sindicatos da categoria. O texto foi entregue em dezembro daquele ano ao então ministro do Trabalho, Paulo Jobim. De lá para cá, percorreu muitas instâncias técnicas, perdeu o trecho que cuidava da regulamentação da profissão – tratada em legislação à parte – e, finalmente, obteve, em abril passado, o apoio explicito do presidente da República. Em 27 de maio, o anteprojeto foi assinado pelo ministro do Trabalho e Emprego, Ricardo Berzoini; na sexta-feira, 6 de julho, o presidente Lula encaminhou ao Congresso a versão que será levada à votação.
Controle rigoroso
O presidente da Associação Brasileira de Imprensa, Mauricio Azêdo, manifestou a oposição da entidade. Afirma que a proposta trata os jornalistas como profissionais liberais, e não como assalariados que são, opinando que sua regulamentação pode representar "uma violação da ordem democrática definida pela Constituição Federal". As entidades representativas dos donos da mídia apenas reproduziram o noticiário a respeito, em seus boletins online. E os jornais deixam clara sua intolerância quanto a hipótese de o exercício do jornalismo vir a ser fiscalizado por um conselho profissional independente.
De modo geral, os jornais recorrem ao clássico recurso do risco à liberdade de expressão e apontam o Supremo Tribunal Federal como instância imediata para a contestação do projeto, antecipando-se mesmo à sua analise nas comissões especiais e antes de ser colocado em votação. Entre eles, a Folha de S.Paulo conseguiu nos apresentar um texto primoroso, que deveria ser preservado para estudos nas escolas de Jornalismo como exemplo de editorialização do noticiário: entre outras sutilezas, destaca-se a observação de que o encaminhamento da proposta "insere-se num contexto de dificuldades de relacionamento entre o governo Lula e a imprensa", lembrando, a propósito, a infeliz frase de Lula segundo a qual "notícia é aquilo que nós não queremos que seja publicado, o resto é publicidade".
O Estado de S. Paulo segue a mesma linha, no domingo (8/8), destacando na primeira página nova contribuição do infatigável ministro da Casa Civil, José Dirceu, para as boas relações entre mídia e governo, na qual ele supostamente defende controle mais rigoroso para a imprensa.
Interesse comum
O noticiário, evidentemente, tenta induzir o leitor a entender que a criação do Conselho Federal e dos Conselhos Regionais de Jornalismo resulta de um propósito do atual governo de produzir o que supostamente seria o desejo do ministro Dirceu. Em nenhuma das matérias publicadas desde sexta-feira (6/8) se esclarece que a idéia da criação do CFJ delineou-se no Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Estado de São Paulo ainda durante os debates que antecederam a votação da Constituição de 1988, após a campanha pela volta das eleições diretas. Sua versão atual foi amadurecida em muitos encontros e congressos de jornalistas, o texto ficou disponível para criticas e contribuições durante anos, e chegou-se ao anteprojeto antes de Lula ser eleito.
E bem possível que a proposta necessite ainda de muitas melhorias, e para isso servem os deputados e senadores, suas comissões e seus assessores.
O que não é possivel – e isso, sim, nos remete de volta à razão fundamental da crise da nossa imprensa – é que as cabeças coroadas da mídia continuem a manipular o noticiário naquilo que lhes interessa, desrespeitando a inteligência do leitor e tentando induzi-lo, na origem, a uma interpretação distorcida do fato.
Se há, e sempre houve, conflitos de interesse entre os profissionais e seus patrões e prepostos, deveria haver também, por cima de tudo, o interesse comum de se buscar o aperfeiçoamento da prática do jornalismo.
Esta lá, na primeira linha, Capitulo I, Artigo 1º do projeto: "A profissão de jornalista é de natureza social e finalidade pública". Que tal começar o debate por aí?
(Fonte: Observatório da Imprensa)
Condenação dos conselhos não absolve a mídia
Observatório da Imprensa
CONSELHO FEDERAL DE JORNALISMO
Condenação dos conselhos não absolve a mídia
Luiz Weis
Um clima de julgamento sumário parece ter se formado em torno do projeto dos Conselhos de Jornalismo – reproduzindo, por sinal, a condenação automática à proposta que pretende punir a publicação de documentos (no caso, transcrição de grampos autorizados) protegidos pelo segredo de Justiça.
Sejam quais forem os defeitos do projeto, as unânimes críticas instantâneas de que é alvo tendem a "engavetar" o que decerto é a questão essencial: a relutância da mídia em se submeter à fiscalização ética que ela exerce – e deve exercer – sobre pessoas e instituições.
A imprensa brasileira, que tantas vezes atira primeiro e pergunta depois (quando o faz), se concede uma espécie de atestado de inimputabilidade. Desse pacto participam desde patrões a peões do ofício, todos se imaginando sacerdotes da verdade.
Nem editorias de mídia, à maneira americana, têm os jornais e revistas nacionais, para criticar também, sempre que for o caso, os desvios éticos de que se possam acusar os produtos da atividade informativa.
Por que um Eduardo Jorge Caldas Pereira, para citar um caso de livro de texto, não teve um organismo corporativo, com poderes similares aos dos conselhos das profissões liberais, ao qual pudesse recorrer para pedir algum tipo de punição àqueles que o acusaram de quase tudo e não provaram nada?
Por que um jornalista não tem uma instância profissional à qual possa expor – quanto mais não seja para proteger a própria reputação – quem quer que, no emprego, tente induzi-lo a praticar atos de linchamento moral contra terceiros?
É inútil invocar o argumento de que as vítimas sempre podem apelar para a Justiça. Sendo o que ela é no Brasil, é forte a possibilidade de que os linchados morram com a honra no esgoto antes de conseguir a reparação dos malfeitos cometidos contra a sua imagem pública.
Sem falar que muitas vezes os malfeitos são irreparáveis, porque denúncia sai em manchete e a admissão do erro, em letra miúda (salvo exceções tão... excepcionais que se tornaram, elas próprias, notícia).
"Boas" e "ruins"
Desancar o projeto dos conselhos sem tomar a iniciativa de propor uma alternativa de auto-regulamentação profissional capaz de reduzir a incidência de injustiças cometidas por má pontaria jornalística ou de caso pensado é perpetuar a dívida moral que a mídia brasileira tem com a sociedade.
No Brasil há bastante corrupção para justificar o zelo investigativo da imprensa em relação às autoridades públicas de todos os níveis e instâncias – e aos seus "interlocutores" no mundo do dinheiro.
Mas custa crer que esse zelo será tolhido – cerceado, como se diz – pela existência de um conselho formado por jornalistas com legitimidade plena para dizer à corporação "por aqui não pode", para castigar quem enveredou pela contramão da ética e para dar aos queixosos da mídia o ressarcimento, ainda que simbólico, a que tiverem direito comprovado.
Para os jornalistas que tenham a coragem de reter uma informação potencialmente destruidora enquanto não se sentirem seguros o suficiente para bancá-la, mesmo ao preço de serem furados por concorrentes menos escrupulosos; lutar contra os controles do Estado e do mercado nunca será sinônimo de lutar contra quaisquer controles, por definição.
P.S. – A leitura do texto exclamatório da Veja desta semana "Censores, uni-vos!!" (por que só dois pontos de exclamação?) dá vontade de ir à rua com um cartaz em defesa do projeto.
Trata-se, define a revista, de "uma idéia cubana, já que reafirma a impressão de que o governo acha que deve – e pode – comandar todos os processos da sociedade..."
À parte o delírio da analogia, a Veja atribui ao "mercado consumidor" a capacidade de produzir uma seleção darwiniana que elimine as publicações ruins e prestigie as boas. É uma rematada asneira, com cheiro de desonestidade intelectual.
Primeiro, parafraseando, porque o mercado não deve, não pode e nem consegue (ainda) comandar todos os processos da sociedade.
Segundo, porque no capitalismo de concentração e de oligopolização da mídia, o pobre do consumidor é tão capaz de eliminar as "publicações ruins" – não falta quem diga que a Veja é uma delas – como de fazer prosperar "as boas" que sejam periféricas ao sistema e não se enquadrem na indústria do infotenimento, pródiga em violação dos padrões éticos mínimos que é preciso defender na imprensa com unhas e dentes.
Terceiro, porque não cabe nem ao Estado nem ao mercado, mas às instituições que o ofício puder organizar e fazer funcionar com autonomia a tarefa indispensável e intransferível de se policiar. O que já não será sem tempo.
[Texto fechado às 16h09 de 7/8]
Contra o denuncismo, o peleguismo
10/8/2004
CONSELHO FEDERAL DE JORNALISMO
Contra o denuncismo, o peleguismo
Alberto Dines
Acossado por uma saraivada de acusações disparadas por uma parte da imprensa contra membros da sua equipe econômica, o governo fez a opção mais desastrada: enviou ao Congresso um antiquado e controverso projeto para a criação do Conselho Federal de Jornalismo.
Na justificativa, o ministro do Trabalho, Ricardo Berzoini declara candidamente que a nova entidade deverá "orientar, disciplinar e fiscalizar" o exercício da profissão e a atividade jornalística. Diz ainda que "atualmente não há nenhuma instituição com competência legal para normalizar, fiscalizar e punir as condutas inadequadas dos jornalistas".
A iniciativa é a mais inábil e atarantada já produzida na esfera da imprensa por algum governo desde a redemocratização em 1985. Tanto no espírito como na forma é rigorosamente autoritária e corporativa. A oportunidade, a justificativa e o conteúdo não poderiam ser mais funestos e inconvenientes. Parece homenagem ao onipotente Estado Novo com toques de Mussolini, George W. Bush e Hugo Chávez.
Confunde alhos com bugalhos, desconfia que há um problema na mídia brasileira, não consegue identificá-lo e, obviamente, parte na direção oposta da solução correta.
O problema do nosso jornalismo não está nos jornalistas, está na concentração dos veículos de comunicação, na propriedade cruzada e está, sobretudo, em algumas empresas jornalísticas que desprezam suas responsabilidades e ignoram as contrapartidas sociais pelos privilégios oferecidos na Constituição do país.
O atual surto denuncista leva a assinatura de profissionais, todos respeitáveis, mas é insuflado por algumas empresas de comunicação tomadas de assalto por predadores comprometidos em servir aos interesses contrariados e abiscoitar migalhas de poder. Os vazamentos de processos sigilosos revela ilícitos mas revela, sobretudo, a espessa ferrugem que entope nosso modelo de transparência.
O denuncismo que tira o sono do governo federal poucos anos atrás era saudado e estimulado pela oposição ao governo anterior, que o considerava fruto legítimo do "jornalismo investigativo". Os profissionais que se especializaram em transcrever grampos de origem suspeita jamais foram forçados a fazê-lo – entregaram-se à tentação de serem glorificados por empresas que confundem independência jornalística com dependência a fontes escusas de recursos.
O ministro Ricardo Berzoini – ou aqueles que o induziram a assinar aquele besteirol – está sendo no mínimo ingênuo ao imaginar que o exercício da engenharia, da química ou da arquitetura assemelha-se ao exercício da atividade jornalística. Embarcou na canoa furada do simplismo, acha que um Conselho Nacional de Engenharia é igual a um Conselho Federal de Jornalismo. Inspirado talvez por Lourival Fontes resolveu ressuscitar os fantasmas do peleguismo e apadrinhar o velho projeto corporativista.
Espasmos e malabarismos
Jornalistas não precisam ser protegidos pelo Executivo, ao contrário, precisam libertar-se das amarras do poder político. O exercício do jornalismo deve ser livre de constrangimentos e filiações suspeitas. Jornalistas precisam de proteção, sim, mas da proteção do Judiciário. Esta é a equação politicamente correta e moralmente defensável. E se há magistrados que subordinam seus interesses pessoais à cláusula pétrea da supremacia do direito de expressão sobre os demais direitos, estes magistrados precisam ser publicamente denunciados.
A formulação original sobre o equilíbrio entre os poderes foi concebida por Montesquieu e, mais tarde, quando adotada pelos patriarcas da república americana, a imprensa converteu-se no Quarto Poder, contrapoder efetivo e autônomo. Com os jornalistas patrocinados por uma entidade criada pelo governo federal, e cujas contas serão fiscalizadas pelo Tribunal de Contas da União, que tipo de jornalismo será oferecido à sociedade ?ornalismo serera-se-sentas da Une desmascarados.çmissosgem suspeita adotados por determinadas empresas de comunicaç?
Se o governo preocupa-se com a lei da selva que impera nos rincões obscuros da nossa mídia deveria imediatamente acionar o debate para a instituição de uma agência reguladora nos moldes da americana FCC (Federal Communications Comission), criada por Franklin Delano Roosevelt, ou sua equivalente inglesa, a IBA (Independent Broadcasting Authority). Esta é a conduta correta, democrática, liberal e libertária, efetivamente progressista.
Por coincidência, na mesma hora em que o governo mandava publicar no Diário Oficial a esdrúxula medida discricionária, o candidato John Kerry prometia num comício em Washington resistir à concentração da mídia americana justamente através da FCC.
Ao invés de buscar as simpatias de uma parcela dos jornalistas, sobretudo os hospedados nas assessorias de comunicação dos órgãos públicos, o governo deveria buscar as simpatias dos leitores. São eles os principais interessados numa imprensa sadia, livre dos malabarismos do marketing e dos espasmos sensacionalistas.
Também publicado no Último Segundo em 6/8 e no Observatório da Imprensa.
CONSELHO FEDERAL DE JORNALISMO???
Imprensa & Jornalismo
Pecado original
8/8/2004
Muita tinta será gasta e algumas palavras serão brandidas com indignação no debate sobre o projeto de lei enviado pelo presidente Lula ao Congresso propondo a criação do Conselho Nacional de Jornalismo. Sua função, disciplinar o exercício da profissão. No pronunciamento que pensa fazer esta semana, Lula deve voltar ao tema do "denuncismo". FH já se ocupava dele.
Cerceamento, censura e controle da liberdade estarão entre as expressões lançadas à discussão, necessária por sinal. Talvez ela tivesse outro rumo se o governo não o tivesse patrocinado. E justamente agora, quando pipocam denúncias contra autoridades financeiras - ainda que carregadas dos desvios colados à imprecisa idéia do denuncismo. Ao fazê-lo, o governo decidiu correr, livremente, o risco das acusações previsíveis: o de estar tentando coibir a fiscalização da imprensa e o surgimento de denúncias; o de preferir a opacidade à transparência. O mesmo risco correu, há poucos dias, quando o ministro Márcio Thomaz Bastos anunciou projeto propondo regras mais rígidas contra o vazamento de grampos realizado no âmbito de investigações judiciais. Vivemos mesmo numa "grampolândia", expressão cunhada pelo jornalista Alberto Dines, e os grampos já não são apenas instrumentos de investigação policial, mas armas regulares nas lutas política e empresarial.
O presidente Lula está indignado com a seqüência de denúncias contra o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, nas quais ninguém pode ignorar dois aspectos: 1) Elas servem ao interesse político da oposição, que neste caso levou a melhor na disputa de munição com o PT dentro da CPI do Banestado. 2) Elas se apóiam também numa ilegalidade, perpetrada por autor desconhecido, a quebra de sigilo fiscal não autorizado por qualquer juiz nem aprovada pela própria CPI. Do segundo aspecto vem a pergunta: para combater uma ilegalidade pode a imprensa valer-se de outra?
A indignação foi má conselheira para Lula, embora tenha atendido à Federação Nacional dos Jornalistas, defensora da instalação do Conselho. As reações estão a caminho, tanto as de setores da imprensa como as do do meio político. Na sexta-feira, o senador Antero Paes de Barros, justamente o maior suspeito, como presidente da dita CPI, de ser o municiador das denúncias da hora, já acusava o governo de estar tentando "reintroduzir a censura no país". Nesta direção, espera-se um caudal de palavras.
Por outro lado, as práticas da imprensa nunca foram tão questionadas como hoje. Primeiro, pelos próprios consumidores de informação - leitores, ouvintes e telespectadores - através de blogs, sites, seções de cartas de leitores e outros espaços. Poucos jornalistas e teóricos de comunicação se ocupam delas. Mas os governos de plantão estão sempre às voltas com o assunto, quando viram bola da vez. Aqui mesmo, nesta coluna, o ex-presidente Fernando Henrique fez um desabafo sofrido contra o "denuncismo", em que disse um "chega de fascismo!". Estava revoltado como Lula agora.
Naquela época, cobra-se sempre esta recordação, o PT era o grande provedor das denúncias. Sinal disso, o fato de que a primeira fita vazada no atual governo foi a gravação de uma reunião do ministro Palocci com a bancada petista, pela qual se soube das contestações à política econômica. Mas depois, a oposição pegou o baralho e passou a dar as cartas. Tivemos os casos Waldomiro, Kroll e agora as operações financeiras dos dirigentes do BC e do BB.
Sustentar que as práticas da imprensa não podem ser discutidas é acreditar que tudo lhe é permitido. É presumir que os demais cidadãos devam ser consumidores passivos de informação. Todos devem discutir a necessidade ou o perigo deste Conselho. Devem se perguntar se os profissionais da imprensa, tal como os médicos, os engenheiros e outros, devem sujeitar-se a um órgão regulador. O perigo talvez não se apresentasse se a proposta não tivesse ganhado o selo do governo. Poderia o órgão de classe ter tomado a iniciativa. Poderia ter recorrido a parlamentares ou mesmo à Comissão de Legislação Participativa da Câmara, onde toda entidade representativa pode apresentar propostas. Tereza Cruvinel - O Globo
Governo propõe criação de conselhos de Jornalismo
5/8/2004, 19h13
O Governo enviou hoje ao Congresso projeto que cria os conselhos federal e regionais de Jornalismo, encarregados de disciplinar e fiscalizar o exercício da profissão. Os conselhos também deverão zelar pela ética e disciplina dos profissionais da área, e pela defesa do direito à livre informação.
Para o presidente da Comissão de Trabalho, de Administração e Serviço Público, deputado Tarcisio Zimmermann (PT-RS), o projeto chega em boa hora. "Os jornalistas passam a contar com um instrumento efetivo de proteção do exercício da profissão, enquanto a sociedade ganha maiores garantias no que diz respeito à qualidade da informação", afirmou o parlamentar.
Já o presidente em exercício do Sindicato dos Jornalistas do Distrito Federal, Paulo Miranda, é contrário ao projeto. Para ele, os futuros conselhos não beneficiarão os profissionais e ainda acabarão com os sindicatos da categoria. "A medida vem para atrapalhar o movimento sindical, além de gerar mais um órgão estatal a ser financiado com dinheiro do trabalhador", protestou Miranda. "Nas categorias que têm conselho, o sindicalismo não existe".
Segundo dados da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), 110 mil jornalistas estão registrados legalmente em todo o País. Alexandre Lemos -Agência Câmara de Notícias
Gushiken quer "proteger a sociedade"
7/8/2004
O ministro Luiz Gushiken (Secretaria de Comunicação de Governo e Gestão Estratégica) afirmou ontem, por meio de sua assessoria de imprensa, que a criação do CFJ (Conselho Federal de Jornalismo) e de suas seções regionais visam proteger tanto os jornalistas como a sociedade.
"A idéia é proteger o jornalista e a sociedade, assegurando condições para que o jornalismo continue sendo indispensável a todos", disse Gushiken.
O texto do projeto prevê que o conselho e suas seções estaduais tenham poderes para "orientar, disciplinar e fiscalizar" o exercício da profissão e das atividades de jornalismo -com possibilidade de cassar registros profissionais.
Segundo a Secretaria de Comunicação de Governo, o Palácio do Planalto apenas encaminhou ao Congresso uma "antiga reivindicação" da categoria, que, em abril, entregou ao governo um anteprojeto de lei por meio da Fenaj (Federação Nacional dos Jornalistas Profissionais).
"Os jornalistas são uma das poucas categorias profissionais do país que ainda não contam com uma entidade como essa", disse o ministro, que cita exemplos bem-sucedidos de outras categorias, como engenheiros, médicos, arquitetos e advogados.
Gushiken admitiu, porém, que o projeto de lei encaminhado nesta semana ao Congresso ainda está sujeito a modificações. Folha de São Paulo
Fenaj apóia conselho de jornalismo; ABI veta
7/8/2004
Projeto de lei que governo enviou ao Congresso para criação de órgão fiscalizador da profissão divide entidades.
O projeto para a criação do Conselho Federal de Jornalismo divide duas das principais entidades da categoria. Enquanto a Fenaj (Federação Nacional dos Jornalistas) defende a íntegra do texto como um caminho para o aperfeiçoamento da profissão, a ABI (Associação Brasileira de Imprensa) classifica a proposta de inconstitucional e perigosa.
A discussão cresceu nesta semana, após o presidente Luiz Inácio Lula da Silva encaminhar o projeto de lei ao Congresso Nacional.
"Esse projeto não é do governo federal, é do movimento de jornalistas. Estamos construindo esse projeto há sete anos. A primeira proposta de criação de um conselho federal de jornalistas foi em 1997, durante um congresso em Vila Velha, no Espírito Santo", disse a presidente da Fenaj, Elisabeth Villela da Costa.
O presidente da ABI, Maurício Azêdo, não concorda. Ele disse nunca ter discutido o texto e afirmou, após ler a íntegra, estar convicto da necessidade de pedir ao Congresso Nacional a rejeição do projeto de lei.
"O texto tem um teor repressivo e é inconstitucional. A própria Constituição, em seu artigo 220, garante que nenhuma lei poderá criar embaraços à liberdade de informação jornalística."
Fiscalização
Para Elisabeth, a função do conselho será regulamentar e fiscalizar a categoria, atribuição que seria do Ministério do Trabalho. Em nenhum momento, disse ela, o órgão poderá interferir na liberdade de imprensa.
"O conselho apenas cumpriria um vazio que existe hoje, até porque o Ministério do Trabalho não quer mais fiscalizar as profissões. O órgão atuaria em casos de abuso ou como uma alternativa para quem se sentisse ofendido ou incomodado com alguma reportagem. Poderia evitar ainda que pessoas não-qualificadas entrassem no mercado."
Para Azêdo, o texto enviado ao Congresso não esclarece nem define as atribuições do conselho. "Fala-se em fiscalização, mas fiscalização em que aspecto? O texto é muito abrangente e, por isso, perigoso à liberdade de imprensa. A Fenaj pariu mal esse projeto. Vamos pedir ao Congresso a rejeição total da proposta."
Por meio da assessoria de imprensa da ANJ (Associação Nacional de Jornais), o diretor-executivo Fernando Martins informou que a entidade somente irá se manifestar sobre o projeto de lei após o texto ser analisado pelo comitê de assuntos jurídicos da associação. Lilian Christofoletti - Folha de São Paulo
Conselho vai coibir excessos, diz Berzoini
7/8/2004
Para ministro do Trabalho, denúncias irresponsáveis afetam "negativamente" o país; governo não irá interferir, afirma.
O ministro do Trabalho, Ricardo Berzoini, declarou ontem que o Conselho Federal de Jornalismo vai permitir que a própria categoria estabeleça "mecanismos de controle ético", uma vez que as denúncias irresponsáveis afetam "negativamente o país, a economia, o clima social", gerando "instabilidade".
Para exemplificar, o ministro citou recentes acusações contra o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles. "Ontem [anteontem], por exemplo, em cima de uma notícia que, aparentemente, foi precipitada, porque não propiciou o contraditório antes de ser divulgada, nós tivemos uma variação na Bolsa que chegou a quase 5%", disse ele, referindo-se à reportagem veiculada na internet pela revista "Veja", na quinta-feira, segundo a qual o presidente do Banco Central teria feito operações financeiras irregulares no exterior.
O governo federal encaminhou ao Congresso Nacional projeto de lei elaborado pelo Ministério do Trabalho que prevê a criação do conselho federal e de seções estaduais. O conselho teria poderes até mesmo para cassar o registro profissional de jornalistas. Leia a seguir trechos da entrevista:
Folha - De quem foi a idéia no governo de criar o conselho?
Ricardo Berzoini - Esse projeto está parado no Ministério do Trabalho há uns dez anos. Recentemente [há cerca de três meses], no Dia do Jornalista, a Fenaj [Federação Nacional dos Jornalistas Profissionais] pediu que nós déssemos uma resposta objetiva [sobre a criação ou não do conselho]. Nós avaliamos que havia razões para criar, pela natureza da função do jornalista, pela importância social [...] de ser o mediador das informações do Estado para a opinião pública e, ao mesmo tempo, porque é uma atividade que, se exercida de maneira irresponsável, pode produzir danos extremamente graves para empresas, para pessoas, para o país. Nossa preocupação é ter a própria categoria estabelecendo mecanismos de controle ético e de debates sobre a natureza da profissão.
Folha - A decisão de criar esse conselho vem depois do caso Larry Rohter [jornalista americano que chegou a ter seu visto revogado pelo governo] e, agora, da afirmação do ministro José Dirceu de que as acusações contra Cássio Casseb [presidente do Banco do Brasil] e Meirelles beiram o denuncismo.
Berzoini - Não tem nenhuma relação entre uma coisa e outra. Nós só atendemos à federação nacional de uma categoria.
Folha - O conselho poderia disciplinar, coibir matérias caracterizadas como simples denuncismo?
Berzoini - Quem vai determinar como o conselho vai funcionar, qual será o critério ético para tomar qualquer tipo de medida será a própria categoria. Portanto o governo não irá interferir. Obviamente, quando falamos de denuncismo, não estamos falando só da imprensa, estamos falando do jogo político. Nós entendemos que é preciso garantir toda a liberdade de expressão, de opinião e de comunicação. Agora, também chamamos a atenção para que, se houver irresponsabilidade em denúncias, obviamente isso pode afetar negativamente o país, a economia, o clima social do país, porque isso cria instabilidade. Ontem [anteontem], por exemplo, em cima de uma notícia [contra Meirelles] que, aparentemente, foi precipitada, porque não propiciou o contraditório antes de ser divulgada, nós tivemos uma variação na Bolsa que chegou a quase 5%. Uma notícia que não havia, no meu entendimento, elementos suficientes para caracterizar irregularidade de uma pessoa que morou no exterior [...]. O nosso governo não tem nada contra a prática livre de denúncias. Ao contrário, achamos que é forma de exercer a democracia. Mas é preciso, ao mesmo tempo, ter responsabilidade.
Folha - Pelo texto do projeto, o conselho terá poderes para "orientar, disciplinar e fiscalizar" o exercício da profissão. Haveria algum tipo de punição aos jornalistas?
Berzoini - O texto é claro. Como todo conselho profissional, como o de medicina, pode determinar uma advertência e até a cassação de registro profissional. é um tratamento típico de conselho profissional.
Folha - Um médico, para exercer a profissão, tem de ter graduação. O conselho de medicina só pode cassar seu registro porque o médico tem um registro. Como o conselho de jornalismo cassaria o registro de um profissional que não tem graduação?
Berzoini - Aí você entra num outro campo que não está na órbita do projeto. Hoje, no Brasil, o ordenamento legal vigente obriga o diploma. Se tem alguém exercendo sem ter, em tese, está exercendo ilegalmente a profissão. Eu tendo mais a ser favorável a não exigir o diploma do que exigir. Leonardo Souza - Folha de São Paulo
Lula defende Meirelles e ataca denuncismo
7/8/2004
Presidente diz que, nos últimos anos, pessoas têm sido "condenadas em massa por manchetes de jornais"
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva saiu ontem em defesa do presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, que tem sido alvo de acusado de supostas irregularidades em suas movimentações financeiras.
O presidente criticou o que chamou de "denuncismo" e afirmou que "o que nós estamos assistindo no Brasil há alguns anos são pessoas serem condenadas e massacradas por manchetes de jornais".
Pela manhã, durante discurso para um grupo maior, o presidente já havia repetido o que havia dito na quarta-feira: que "picuinhas" não iriam atrapalhar o processo de crescimento econômico que o país atingiu. Anteontem, o presidente atacou: "Se todos nós formos tomados desse desejo [de retomar a auto-estima] e dessa força interior, certamente, não haverá intriga, não haverá futrica, não haverá eleição que possa brecar, frear o desenvolvimento que este país precisa e deve ter".
"O denuncismo não ajuda ninguém neste país", disse Lula ontem durante a reunião fechada com os empresários. Para o presidente, apesar das denúncias recorrentes, "passam 50 anos e não se prova um único erro da pessoa". Segundo Lula, "o papel correto seria investigar, apurar. Quando tiver a denúncia concreta, a apuração concreta, manda prender o cidadão".
Lula fez as críticas durante encontro fechado com empresários, em Belo Horizonte, em reunião à qual a imprensa não teve acesso. O objetivo do encontro, organizado pela CNI (Confederação Nacional da Indústria), era a apresentação, para os 27 presidentes das federações estaduais das indústrias, de um pacote de desoneração de impostos.
O trecho em que ele criticou as denúncias contra o presidente do BC foi registrado por cinegrafistas da Radiobrás, agência de notícias do governo e único meio de comunicação que teve acesso à sala de reunião. Fotógrafos e cinegrafistas de outros meios tiveram acesso ao local por apenas alguns minutos. Os repórteres não puderam entrar. Na reunião, estavam o vice-presidente José Alencar e os ministros que o acompanharam na viagem, entre eles, Antonio Palocci (Fazenda), Luiz Fernando Furlan (Desenvolvimento) e José Dirceu (Casa Civil).
José Alencar, após o final do encontro, disse que preferia não comentar as denúncias contra o presidente do BC. Ele argumentou que, como criticava muito a política de juros do Banco Central, seria inadequado fazer qualquer comentário a respeito do presidente da instituição. Folha de São Paulo
Os pontos mais polêmicos do projeto
7/8/2004
Abaixo, os principais pontos do projeto de lei que cria o o Conselho Federal de Jornalismo e os Conselhos Regionais de Jornalismo.
"Ficam criados o Conselho Federal de Jornalismo - CFJ e os Conselhos Regionais de Jornalismo - CRJ, com sede nas capitais dos Estados e do Distrito Federal, dotados de personalidade jurídica de direito público, autonomia administrativa e financeira, com a atribuição de orientar, disciplinar e fiscalizar o exercício da profissão de jornalista, e zelar pela fiel observância dos princípios de ética e disciplina da classe em todo o território nacional."
"O CFJ tem por atribuição pugnar pelo direito à livre informação plural e pelo aperfeiçoamento do jornalismo."
"A organização, estrutura e funcionamento do Conselho Federal e dos Conselhos Regionais, bem como as condições para a inscrição, cancelamento e suspensão da inscrição dos jornalistas ou revisão dos registros existentes e, ainda, a instituição do Código de ética e Disciplina e as normas complementares de processo, serão disciplinados em seu estatuto e regimento, mediante decisão do plenário do Conselho Federal, podendo ocorrer por decisão do conselho provisoriamente composto nos termos desta Lei."
"Compete ao CFJ elaborar, ouvido os Conselhos Regionais, a FENAJ e os Sindicatos, as listas de nomes previstas para o preenchimento de cargos em quaisquer órgãos relativos à Comunicação Social, em que haja a participação de jornalistas, de âmbito nacional ou regional."
"Compete ao CFJ fixar normas sobre a obrigatoriedade de indicação do jornalista responsável pelo material de conteúdo jornalístico publicado ou veiculado (...)" "Os conselhos regionais exercerão, nas respectivas jurisdições, as competências e funções atribuídas ao Conselho Federal, no que lhes couber, observando-se as normas gerais estabelecidas nesta lei e nas Resoluções e nos Provimentos por ele baixados. Parágrafo único. Compete privativamente aos Conselhos Regionais, dentre outras a eles atribuídas:
I - editar seu Regimento Interno e Resoluções;
II - criar e regular o funcionamento das seções;
III - reexaminar, em grau de recurso, as decisões dos respectivos presidentes.
IV - fiscalizar a aplicação da receita, deliberar sobre o balanço e as contas de suas diretorias e das seções;
V - fixar tabelas de honorários válidas nas respectivas bases territoriais;
VI - deliberar sobre os pedidos de inscrições no quadro de jornalistas;
VII - manter cadastro de jornalistas inscritos." "Todo jornalista, para exercício da profissão, deverá inscrever-se no Conselho Regional de sua área de ação, atendendo as condições estabelecidas pelo sistema. Aceita a inscrição, ser-lhe-á expedida pelo Conselho Regional a Carteira de Identidade Profissional, onde serão feitas anotações relativas à atividade do portador." "Constituem patrimônio dos Conselhos as doações, legados, rendas patrimoniais ou eventuais, bens adquiridos, taxas, anuidades, multas e outras contribuições. Constitui título executivo extrajudicial a certidão passada pela diretoria do Conselho Regional competente, relativa a crédito previsto."
"No exercício de sua profissão o jornalista deve pautar sua conduta pelos parâmetros éticos definidos no Código de ética e Disciplina a ser editado por Resolução do Conselho Federal, mantendo independência em qualquer circunstância, sem receio de desagradar a quem quer que seja.
>>Parágrafo único. O Código de ética e Disciplina deverá regular também os deveres do jornalista para com a comunidade, a relação com os demais profissionais e, ainda, o dever geral de urbanidade e os respectivos procedimentos disciplinares, observado o disposto na presente lei."
"Constituem infrações disciplinares, além de outras definidas pelo Código de ética e Disciplina:
I - Transgredir preceito do Código de ética Profissional;
II - Exercer a profissão quando impedido de fazê-lo, ou facilitar, por qualquer meio, o seu exercício aos não inscritos ou impedidos;
III - Solicitar ou receber de cliente qualquer favor em troca de concessões ilícitas;
IV - Praticar, no exercício da atividade profissional, ato que a lei defina como crime ou contravenção;
V - Não cumprir no prazo estabelecido, determinação emanada do órgão ou autoridade dos Conselhos, em matéria da competência destes, depois de regularmente notificado;
VI - Deixar de pagar aos Conselhos, pontualmente, as contribuições a que esteja obrigado."
"As penas aplicáveis por infrações disciplinares são as seguintes:
I - Advertência;
II - Multa;
III - Censura;
IV - Suspensão do exercício profissional, até 30 (trinta) dias;
V - Cassação do exercício profissional, ad referendum do Conselho Federal."
"O poder de punir disciplinarmente os inscritos no CFJ compete exclusivamente ao Conselho Regional em cuja base territorial tenha ocorrido a infração, com recurso para instância superior."
"O processo disciplinar pode ser instaurado de ofício ou mediante representação de qualquer autoridade, pessoa interessada ou entidade de classe dos jornalistas."
"O processo disciplinar tramitará em sigilo, só tendo acesso às informações e documentos nele contidos as partes, seus defensores e a autoridade judiciária competente, respeitado o disposto nesta lei."
"Caberá recurso ao Conselho Federal de todas as decisões definitivas proferidas pelo Conselho Regional, quando não tenham sido unânimes ou sendo unânimes, contrariem esta Lei, decisão do Conselho Federal ou de Conselho Regional e, ainda, o Regulamento Geral, o Código de ética e Disciplina e as Resoluções dos Conselhos Federal e Regionais."
"Todos os recursos têm efeito suspensivo, exceto quando tratarem de eleições, de suspensão preventiva acerca do cancelamento de inscrição obtida com falsa prova."
"Os servidores dos Conselhos Federal e Regional de Jornalismo serão regidos pelo regime da Consolidação das Leis do Trabalho."
"Até noventa dias após a posse da primeira diretoria do Conselho Federal de Jornalismo, a competência para a emissão da carteira de identidade profissional, prevista na Lei 7084, de 21 de dezembro de 1982, permanecerá como a Federação Nacional dos Jornalistas Profissionais - FENAJ."
"A primeira composição do Conselho Federal de Jornalismo será provisória e contará com dez jornalistas profissionais efetivos e dez suplentes, indicados pelo Conselho de Representantes da Federação Nacional dos Jornalistas Profissionais, e tomará posse no máximo em sessenta dias após a publicação desta Lei."
"O mandato dos conselheiros provisórios a que refere este artigo terá duração máxima necessária para organizar a eleição de cinco Conselhos Regionais e, caso ultrapasse dois anos, o Conselho de Representantes da Federação Nacional dos Jornalistas Profissionais indicará nova diretoria provisória, nos moldes do caput, para ultimar a eleição dos cinco Conselhos Regionais." O Estado de São Paulo
Jornalistas condenam projeto de conselho federal
7/8/2004
Plano que tenta controlar a atividade é criticado por políticos e profissionais
Uma ampla condenação de profissionais e lideranças da imprensa desabou sobre o projeto de criação do Conselho Federal de Jornalismo, que o governo enviou ao Congresso esta semana, e que contém uma série de normas que são apontadas como tentativa de controle da imprensa. "A idéia é pelega e estadonovista", disse o jornalista Alberto Dines, diretor do Observatório da Imprensa. "É de teor repressivo", afirmou o jornalista Maurício Azedo, presidente da Associação Brasileira de Imprensa (ABI). "É extremamente perigoso", destacou o jornalista Audálio Dantas, ex-presidente do Sindicato dos Jornalistas de São Paulo.
O líder do PFL na Câmara, deputado José Carlos Aleluia (BA), qualificou o projeto como "uma mordaça da mídia". Segundo ele, o projeto "é inaceitável, é um ato arbitrário, um viés absolutista". Ele disse que a oposição vai lutar para rejeitar o projeto. "Já querem amordaçar o Ministério Público e agora, sem conseguir controlar os meios de comunicação, o governo quer punir os jornalistas. Mordaça na mídia, não", rechaçou. O líder do governo na Câmara, deputado Professor Luizinho (PT-SP), não quis se comprometer com o projeto: disse que, se houver algo errado com ele, o Congresso fará mudanças.
Poder - O projeto só recebe o apoio incondicional da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj). A presidenta da Fenaj, jornalista Beth Costa, que o projeto é "uma forma de luta, porque a distribuição da informação no Brasil não é plural, porque o modelo permite a concentração nas mãos de grupos econômicos, como não ocorre em nenhum outro país". Beth admitiu, no entanto, que o projeto concentra o controle do futuro Conselho nas mãos do grupo que hoje domina a Fenaj - e que é ostensivamente ligado ao PT - já que todos os 10 integrantes da comissão provisória que assumiria o Conselho seriam indicados pelo Conselho de Representantes da Fenaj.
Controle - O jornalista Ali Kamel, embora ressalvando que falava como profissional, e não como Diretor de Jornalismo da Rede Globo de Televisão, disse ser "absolutamente contra o projeto". Para ele, "jornalismo não pode ser exercido sob nenhuma forma de pressão e esse Conselho seria uma forma de pressão sobre a atividade jornalística". Já o professor de Ética Jornalística Carlos Alberto di Franco, acha que o projeto "é uma clara tentativa de controle da imprensa". Ele afirmou que os jornalistas "não podem estar submetidos a formas de punição controladas pelo governo".
Quase todos os jornalistas ouvidos pelo Estado defenderam que não faz sentido criar um conselho federal para jornalistas, uma profissão que trabalha com a apreensão de fatos e idéias, que são transmitidos à população. "O projeto tem um certo sentido de imitação", constata o presidente da ABI, jornalista Maurício Azedo, observando que a criação do CFJ se espelha de forma simplista nas outras profissões liberais.
"Conselhos existem para profissões liberais e jornalista, em geral, é assalariado", disse Azedo. Ele também percebeu que o projeto prevê a fiscalização da profissão, mas não regula essa fiscalização. Carlos Marchi - O Estado de São Paulo
Orientar e disciplinar, verbos perigosos
7/8/2004
Jornalistas vêem perigo na intenção de controlar a busca da informação
O projeto que cria o Conselho Federal de Jornalismo é, claramente, "uma forma disfarçada de controlar a imprensa", avalia o professor Carlos Alberto di Franco. "Por que diabos o governo pensa que pode ser tutor do que é bom e o que não é bom para ser publicado e para ser lido pelo povo brasileiro?", pergunta ele, contrariado.
"Eu não tenho medo da atual direção da Fenaj, tenho medo é do guarda da esquina", ironiza, a respeito do Conselho, o jornalista Audálio Dantas. O ex-presidente do Sindicato dos Jornalistas de São Paulo estranhou a presença, no texto do projeto, dos verbos "orientar" e "disciplinar". "Estes verbos são incompatíveis com o exercício da atividade jornalística. Toda vez que eles aparecem em regulamentos de governos que tentam disciplinar ou orientar a imprensa, os resultados são trágicos, afundamos no obscurantismo", disse.
"O abstrato torna-se abrangente", insiste o presidente da ABI, jornalista Maurício Azedo, ao lembrar que o texto do projeto fala em "disciplinar", "orientar", "fiscalizar", mas não indica o regulamento. "Se não há regulamento explícito, pode ser qualquer um. é aí que mora o perigo", desabafa.
Beth Costa, presidente da Fenaj, rebate a idéia. Ela diz que "muitos movimentos sociais, de negros, de índios, reclamam do comportamento da imprensa". E ela sonha com um modelo em que o CFJ seja estruturado e a atividade dos jornalistas passe a ter um controle externo, através de um conselho integrado por "representantes da sociedade civil, da OAB e outras entidades". Ela pouco se importa que a OAB não tenha convidado jornalistas a tomarem parte em seu conselho. "Nós devemos dar o exemplo", diz.
O professor Laurindo Leal Filho, do Departamento de Jornalismo da USP, aprova a idéia do conselho: "A idéia é nobre, mas não pode ser aprovada dessa forma. Não me consta que as universidades tenham sido consultadas. Uma ampla discussão pública é indispensável, até para legitimar a idéia e o projeto", observa.
Audálio Dantas discorda e alega que qualquer tipo de controle sobre uma profissão que lida com idéias impõe o sério risco de levar ao autoritarismo.
"Idéias são subjetivas", argumenta Audálio, "e quem as exercita será julgado pelo conselho de forma subjetiva. O que se pretende é julgar idéias e julgar idéias é uma das mais infelizes das invenções humanas", observa. Ele comenta que os sindicatos de jornalistas foram infestados, nos últimos anos, pela partidarização e que essa partidarização, inevitavelmente, contaminaria o conselho, se aprovado esse projeto.
Ali Kamel aponta que o projeto é uma iniciativa da Fenaj, e não do governo e que, portanto, não se pode responsabilizar o governo por sua lavra. A reação do líder do governo na Câmara, Professor Luizinho (PT-SP), confirma aquele sentimento: "Ora, a vida toda ouvimos falar que os jornalistas queriam o conselho, algo semelhante à OAB ou ao Conselho de Medicina", disse ele ontem. "O Congresso existe para isso, para mudar", disse ele contemporizador, sinalizando que, no caso, o PT não será obstáculo a negociações. Carlos Marchi - O Estado de São Paulo
Se passar no Congresso, idéia pode cair no STF
7/8/2004
BRASíLIA - Se for aprovado pelo Congresso Nacional, o Conselho Federal Jornalismo (CFJ) corre o risco de ser declarado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Ministros do STF afirmaram ontem em caráter reservado que o projeto de lei que propõe a criação do CFJ é questionável porque dentre as atribuições do órgão está a de orientar, disciplinar e fiscalizar a atividade jornalística.
De acordo com os ministros consultados, essas competências contrastam com o que estabelecem a Constituição Federal e outras legislações que garantem a liberdade de imprensa no País. Citado pelos ministros do STF, o parágrafo 1º do artigo 220 do texto constitucional brasileiro é claro: "Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social."
Caso o Congresso aprove o projeto de lei encaminhado ao Congresso nesta semana pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, caberá aos inconformados propor ações diretas de inconstitucionalidade (adins) contra as regras que estabelecerem o Conselho.
Esse tipo de ação pode ser proposto por partidos políticos, confederações sindicais e entidades de âmbito nacional e autoridades como o procurador-geral da República e governadores de Estado. Mariângela Gallucci
'Pode ser um passo para a tragédia da censura'
7/8/2004
O projeto de lei que o governo Lula mandou ao Congresso para criar o Conselho Federal de Jornalismo (CFJ) e os conselhos regionais, com a função de orientar, disciplinar e fiscalizar o exercício da profissão e da atividade de jornalismo, foi duramente criticado ontem pela Associação Brasileira de Imprensa (ABI) e especialistas. Ministro da Educação no primeiro ano do governo Lula e senador do PT, Cristovam Buarque também protestou em seu blog: "Precisamos estar atentos, todos os brasileiros, ainda mais nós do PT e o próprio governo. Em nome de uma boa intenção, podemos estar dando o primeiro passo para a tragédia da censura".
O presidente da ABI, Maurício Azêdo, questionou a necessidade de um órgão para fiscalizar a profissão:
- Conselhos são naturais em profissões de caráter técnico, como medicina e química. Com o CFJ, vamos fazer como no tempo da ditadura, com uma comissão dizendo quem pode ou não ser jornalista. Isto é de uma violência inaudita.
Segundo Azêdo, a ABI apresentará ao Congresso as alterações que a associação julga necessárias no projeto.
O jornalista Alberto Dines, editor-responsável do site Observatório da Imprensa, vai ainda mais fundo nas críticas ao projeto do governo. No artigo "Contra o denuncismo, o peleguismo", Dines classificou de desastrada a proposta de criação do conselho de jornalismo.
"A iniciativa é a mais inábil e atarantada já produzida na esfera da imprensa por algum governo desde a redemocratização em 1985", escreveu.
Para Dines, "jornalistas não precisam ser protegidos pelo Executivo; ao contrário, precisam libertar-se das amarras do poder político". Dines acredita que o governo Lula escolheu um mau momento para encaminhar o projeto ao Congresso.
"A oportunidade é desastrosa. No momento em que o governo é acossado por denúncias, não pode propor um negócio desses, que prevê punições para jornalistas. Além disso, o projeto parte de uma premissa errada, de que o exercício do jornalismo é semelhante ao da medicina ou da engenharia. O jornalismo é uma atividade política, que não pode ser regulamentada pelo Estado", escreveu Dines. Ele considerou a criação do CFJ mais grave do que a tentativa de expulsão, pelo presidente Lula, do jornalista americano Larry Rohter, do "New York Times". "A proposta não vai passar e ainda deixará esta mácula no governo. E logo um governo do PT", prevê.
O jornalista protestou ainda: "Ao invés de buscar as simpatias de uma parcela dos jornalistas, sobretudo os hospedados nas assessorias de comunicação dos órgãos públicos, o governo deveria buscar as simpatias dos leitores. São eles os principais interessados numa imprensa sadia, livre dos malabarismos do marketing e dos espasmos sensacionalistas".
Fenaj: conselhos vão defender a sociedade
O petista Cristovam Buarque afirma que, embora a intenção possa ser defender o exercício da profissão de jornalista, ao longo do tempo a medida poderá, porém, "se transformar no controle da imprensa". E acrescenta: "Um projeto como este não deveria ser enviado ao Congresso sem um cuidadoso debate com toda a sociedade, especialmente com os deputados e senadores".
A criação do CFJ foi proposta pela Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj). Com a criação dos conselhos federal e regionais, os jornalistas passariam a pagar duas taxas, uma para o sindicato e outra para a nova entidade. O artigo sétimo prevê as penas para jornalistas que se recusarem a sustentar financeiramente os conselhos: advertência, multa, censura, suspensão do exercício profissional até 30 dias e cassação do registro profissional. O projeto, porém, ainda tem de ser aprovado pelo Congresso.
No site da Fenaj, a presidente Beth Costa diz que a criação do CFJ "não é uma luta corporativa, pois os conselhos vão atuar em defesa da sociedade ao disciplinar e fiscalizar a prática do jornalismo". Giampaolo Braga - O Globo
ANJ analisa proposta
7/8/2004
BRASÍLIA. O projeto que cria o Conselho Federal e os Conselhos Regionais de Jornalismo ainda será analisado pela diretoria da Associação Nacional dos Jornais (ANJ). A proposta está sendo examinada pelo comitê de assuntos jurídicos da entidade. A Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP) tem posição firmada contra leis restritivas, como a que exige o diploma de jornalista.
- A ANJ é contra toda norma que impeça a liberdade de expressão. Vamos examinar o projeto a partir desta visão - disse o diretor do Comitê Jurídico da ANJ, Tonet Camargo.
O ministro do Trabalho, Ricardo Berzoini, ao apresentar o projeto que cria o CFJ, sugeriu que ele passaria a controlar a qualidade das informações e do trabalho dos jornalistas. "A criação de um conselho para fiscalização do exercício da profissão de jornalista é, portanto, instrumento fundamental para a construção de uma comunicação social submetida ao interesse público e aos princípios da responsabilidade social", diz a exposição de motivos apresentada pelo ministro. O Globo
Condenação ao conselho
7/8/2004
Uma ampla condenação desabou sobre o projeto de criação do Conselho Federal de Jornalismo, que o governo enviou ao Congresso e que contém uma série de normas apontadas como tentativa de controle da imprensa. ''É de teor repressivo'', afirmou o jornalista Maurício Azedo, presidente da Associação Brasileira de Imprensa (ABI). O líder do PFL na Câmara, deputado José Carlos Aleluia (BA), disse que a oposição vai lutar para rejeitá-lo. Correio Braziliense
Imprensa sob pressão
7/8/2004
"Se o governo decide o que é "conduta adequada", você não pode ser independente... Se você realmente acredita em imprensa livre, qualquer um tem o direito de expressar a sua opinião, sem ter que receber licença de ninguém." Bill Kovach - Um dos principais teóricos do jornalismo nos EUA, sobre a proposta de criação do Conselho Federal de Jornalismo no Brasil, ontem na Folha - Folha de São Paulo
Jornalismo orientado
7/8/2004
"Gostaria muito de saber a opinião do jornalista Ricardo Kotscho, que faz parte do governo de Luiz Inácio Lula da Silva, sobre o tal Conselho Federal de Jornalismo que o alto comissariado quer criar para "orientar e fiscalizar" a profissão ("Lula quer conselho para fiscalizar jornalismo", Brasil, pág. A11, 6/8). Kotscho, que sempre se pautou pela ética e pela postura digna de defender a liberdade de imprensa no Brasil, deve, salvo engano, estar muito incomodado com essa questão."
Keko Ribeiro (São Paulo, SP)
"Apesar das críticas feitas anteriormente por Luiz Gushiken à mídia, continuam sendo divulgadas notícias desfavoráveis ao governo, especialmente sobre casos que envolvem membros da administração. Será que a proposta de criação do Conselho Federal de Jornalismo é uma evidência de que a liberdade de imprensa incomoda o governo democrático do PT?"
Odilon O. Santos (Marília, SP) Painel do Leitor - Folha de São Paulo
Tiroteio
9/8/2004
Do procurador de Justiça Airton Florentino de Barros, presidente do Movimento do Ministério Público Democrático, sobre o ministro do Trabalho, Ricardo Berzoini, ter dito que o Conselho Federal de Jornalismo vai coibir excessos:
- A imprensa não pode ser vítima do governo que se diz democrático. Se há abusos, há instrumentos legais para coibi-los. Não se pode admitir ingerência política sobre a imprensa. Painel - Folha de São Paulo
Controle
9/8/2004
Pelo menos um petista, o senador Cristovam Buarque, reagiu ao projeto de lei que cria o Conselho Federal de Jornalismo.
Em blog recém-criado, diz ele que o resultado "pode ser o controle da imprensa" e que "um projeto como este não deveria ser enviado ao Congresso". Folha de São Paulo
Censura
9/8/2004
"O regime de força (ou aquele que pretende sê-lo) precisa calar os que podem criticá-lo, confrontá-lo ou punir seus favoritos. A história mostra que primeiramente se avança sobre a imprensa e, a seguir, sobre o Judiciário. Com relação ao Judiciário, um bom começo é o controle externo, agregado ao impedimento de investigações pelo Ministério Público, mais a "Lei da Mordaça". Para a imprensa, o bom começo é o projeto que o governo acabou de mandar ao Congresso Nacional propondo a criação do "Conselho Federal de Jornalismo". Como se percebe, apenas inverteu-se aqui a ordem de ataque, primeiro sobre o Judiciário independente e, a seguir, sobre a imprensa livre. Vamos ver se finalmente a imprensa começa a perceber que, para ser livre, necessita de um Judiciário independente."
Manoel Justino Bezerra Filho, juiz do 1º Tribunal de Alçada de SP (São Paulo, SP)
"Por que engenheiros, contabilistas, médicos podem ter conselhos nacionais disciplinando essas categorias, e jornalistas não? Os meios de comunicação são importantes para a democracia, não há duvida, mas não estão acima de qualquer suspeita. Nenhuma categoria ou segmento da sociedade detém liberdade absoluta. Todos têm regras e limites."
Antonio Negrão de Sá (Rio de Janeiro, RJ) Painel do Leitor - Folha de São Paulo
Imprensa
9/8/2004
Gostaria de destacar a lucidez de Dora Kramer ao analisar o Conselho Federal de Jornalismo como tendo a vil intenção de controle da imprensa livre, disfarçado num órgão ''para orientar, disciplinar e fiscalizar'', mas que tem por fim punir jornalistas desobedientes à disciplina e orientação do Estado. É assim que funciona em vários países, bastante conhecidos, em que os contrários às regras de seus governos vão enferrujar em sórdidas masmorras. Não me lembro do poema e de seu autor, mas me parece ser Maiakovsky que mostra que, bem devagarzinho, aquele que parece bonzinho de intenções vai tomando o lugar do outro e se apossando das mentes livres do povo. Com a aprovação dessa lei, adeus Cartas ao Editor, em que não jornalistas expressam suas opiniões, livremente, a cada dia. Mais uma perda para nós brasileiros, já tão decepcionados com nossos políticos, juízes, desembargadores, polícia e, agora, intelectuais que se unem para manifestações de apoio a regimes de força.
Cláudio Tavares Cals de Oliveira, Rio de Janeiro.
O assunto abordado este-domingo (8/8) pela jornalista Dora Kramer merece profunda reflexão e a manifestação de repúdio de todos os meios de comunicação. Trata-se da ideia sinistra de controlar, ''orientar'' e ''fiscalizar'' o trabalho dos jornalistas. Não se pode ignorar que, em casos isolados, a ação de alguns profissionais mal preparados atinge o direito e às vezes a honra do cidadão. Para esses casos, existem mecanismos legais de reparação. A ideia de tolher a liberdade de expressão, concebida nos laboratórios subterrâneos do governo, deixou humilhados os que conceberam algumas monstruosidades criadas pela ditadura. A criação desse conselho nada mais é do que a versão moderna de dar um golpe de Estado sem colocar na rua um único militar. Se aprovada no Congresso, será a ditadura do partido único, a materialização do projeto do PT de se instalar no poder por pelo menos três gerações.
Francisco Arruda Pontes, Fortaleza.
A proposta de um controle da imprensa sinceramente não me surpreende em nada: é mais um ato de autoritarismo do PT. De um presidente que se sente tão bem ao lado de ditadores - do Gabão, da Venezuela ou de Cuba, países onde a imprensa só imprime o que governo acha que fica bem - o que mais poderíamos esperar? Depois de tantos escândalos nunca apurados, ainda existe algum brasileiro que não entenda esse ato contra a liberdade de imprensa?
Eny Seidel, Deerfield Beach, Flórida (EUA).
Parece que muitos jornalistas não entenderam a questão da criação de seu conselho de classe. Esse conselho, assim como os das demais categorias, serve justamente para proteger a classe e evitar a ''pirataria'' profissional. Os profissionais jornalistas fazem vestibular, cursam por anos uma faculdade, para depois disputarem o mercado com pessoas não qualificadas oficialmente e que em diversos jornais se intitulam falsamente de ''jornalista responsável''.
Heitor Vianna P. Filho, Araruama (RJ). Cartas - Jornal do Brasil
A imprensa do projeto petista de poder
9/8/2004
Depois de ter ameaçado revogar o visto de um jornalista norte-americano só porque publicou no New York Times uma reportagem desfavorável ao presidente Lula, o governo petista voltou a reagir de forma antidemocrática ao que classifica como "futricas" da imprensa, ou seja, as denúncias contra membros do governo, como José Dirceu no caso Waldomiro e, agora, Henrique Meirelles. Desta vez, a pretexto de "zelar pela fiel observância dos princípios da ética", propõe a criação de um Conselho Federal de Jornalismo (CFJ), atribuindo-lhe a prerrogativa de "orientar, disciplinar e fiscalizar" o exercício da profissão de jornalista e a atividade jornalística no País.
Elaborado com discrição pelo Ministério do Trabalho e pela Casa Civil, o que já é uma atitude suspeita, dada a importância dessa matéria para a plenitude do regime democrático, o projeto enviado ao Congresso é marcado pelo seu viés centralizador e burocratizante. Entre as competências que esse Conselho terá, todas apresentadas de modo preocupantemente vago, uma é "definir as condições para a inscrição, cancelamento e suspensão da inscrição dos jornalistas, bem como revisão dos registros existentes" e "deliberar" sobre os pedidos apresentados pelos jornalistas (art. 2.º, inciso XVI e art. 3.º, inciso 7). Na prática, isso significa que o CFJ definirá quem estará habilitado a exercer a profissão.
Outras competências são as de editar um "Código de ética", estabelecer procedimentos disciplinares e "supervisionar a fiscalização" da atividade jornalística (art. 2.º, incisos III, IV e V), podendo punir as condutas que julgar inadequadas com sanções que vão de uma simples advertência à "censura" e até à cassação do registro profissional (art. 7.º). E, como o Conselho também terá a incumbência de emitir a carteira de trabalho para quem quiser atuar nos meios de comunicação, na prática ele poderá deter o controle absoluto de uma atividade em cuja essência estão as liberdades de expressão e de informação asseguradas pela Constituição no capítulo relativo aos direitos fundamentais.
É justamente esse o maior perigo do projeto. Só a ditadura militar ousou tanto na tentativa de intimidar jornalistas e calar a imprensa. A diferença está na forma utilizada. Enquanto os generais recorriam à truculência, o governo do PT optou pela sutileza retórica, valendo-se de um projeto que confunde deliberadamente a auto-regulação de profissionais liberais, da qual a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) é o exemplo mais conhecido, com a tutela de profissionais assalariados.
Além disso, ao recorrer a um sem-número de lugares-comuns, abusando do conceito de ética sem em momento algum defini-lo, o projeto dá ao CFJ o poder de fazer o que quiser, em nome da "valorização" do jornalismo. A própria exposição de motivos assinada pelo ministro do Trabalho, Ricardo Berzoini, evidencia esse risco. "A sociedade tem o direito à informação prestada com qualidade, correção e precisão, baseada em apuração ética dos fatos", diz o texto.
Diante de tanta vagueza, como classificar as reportagens sobre os achaques do ex-braço direito do ministro José Dirceu, Waldomiro Diniz, e sobre os expedientes aos quais o sr. Delúbio Soares recorre para reforçar o caixa do PT? Na lógica moralista e punitiva dessa exposição de motivos, esse noticiário seria "ético" ou "antiético"?
Ainda em matéria de ética, o projeto também peca por carecer daquilo que quer cobrar da imprensa livre. Em princípio, o CNJ seria um órgão representativo dos jornalistas e por eles dirigido. Mas, enquanto jornais, revistas, rádios e tevês privadas vêm diminuindo o tamanho de suas redações, por razões de sobrevivência econômica, o governo reinaugurou a Rádio Nacional e vem ampliando o quadro da Radiobrás e planejando uma TV Pública internacional. Em que medida essas duas situações opostas não podem desequilibrar a representatividade do tal Conselho? Até que ponto um órgão dominado por jornalistas do setor público e a serviço de um partido político não teria, na atribuição de "disciplinar" o jornalismo, pretexto para interferir nas empresas privadas de comunicação?
Por tudo isso, e mais a ominosa "coincidência" de ter sido divulgado no mesmo dia em que veio à luz o projeto do Audiovisual, o melhor a se fazer com esse projeto do governo, de viés stalinista, com seus jornais sem redações e sua imprensa alimentada pelas sinopses aprovadas pelos ditadores de plantão, é jogá-lo no lixo, impedindo assim mais um perigoso avanço do Projeto de Poder do PT. O Estado de São Paulo
Liberdade de imprensa
Muito raramente, a liberdade de imprensa termina de uma vez. Em geral é aos poucos, sem que se perceba para onde vamos. Às vezes, o processo pode até começar com uma boa intenção, ou a idéia de boa intenção, e a opinião pública, inclusive os democratas, aceitam os primeiros passos. É tarde quando se descobre a tragédia do controle sobre a imprensa.
Lembrei disso, ao ler matérias nos jornais de hoje, sobre projeto de lei do nosso governo, instituindo o Conselho Federal de Jornalismo. Nas declarações, passa a idéia de defesa do exercício da profissão de jornalista. Pode até ser esta a intenção, mas o resultado pode, ao longo do tempo, se transformar no controle da imprensa. Um projeto como este não deveria ser enviado ao Congresso sem um cuidadoso debate com toda a sociedade, especialmente com os deputados e senadores.
Isso é ainda mais necessário, quando autoridades do governo têm nos últimos dias lançado críticas à imprensa, denunciado que muitas das matérias sobre recentes escândalos são manipulações.
A idéia não pode ser apressada e o momento é absolutamente inoportuno.
Precisamos estar atentos, todos os brasileiros, ainda mais nós do PT e o próprio governo. Em nome de uma boa intenção, podemos estar dando o primeiro passo para a tragédia da censura.
Cristovam Buarque
( Blogue do Cristovam)